O Decreto-Lei nº 86/2024, de 6 Novembro, e o Decreto Regulamentar nº 5/2024, de 6 de Novembro, procedem respectivamente à alteração do Estatuto do Cuidador Informal (Lei nº 100/2019, de 6 de Setembro) e da respectiva regulamentação (Decreto Regulamentar nº 1/2022, de 10 de Janeiro).

As alterações introduzidas visam alegadamente facilitar o acesso ao reconhecimento do estatuto de cuidador informal e ampliar os direitos concedidos a estes cuidadores, com especial destaque para o direito ao descanso do cuidador.

 No entanto, o novo regime resultante das presentes alterações parece, ao invés, contribuir para tornar alguns procedimentos e processos ainda mais complexos e dificultar não só o reconhecimento do estatuto, como o exercício dos direitos que assistem aos cuidadores informais, especialmente os direitos laborais.

Principais alterações:

    • Alteração do conceito de cuidador informal

O conceito de cuidador informal principal é alargado, passando a incluir, além do cônjuge ou unido de facto e outros familiares, quem não sendo familiar da pessoa cuidada acompanha e cuida desta de forma permanente, vivendo em comunhão de habitação e com o mesmo domicilio fiscal da pessoa cuidada, sem auferir qualquer remuneração de actividade profissional ou pelos cuidados que presta; por outro lado, no caso dos familiares deixa de se exigir a comunhão de habitação e o domicilio fiscal comum, bastando-se a lei com “uma vivência de entreajuda e partilha de recursos” .

No caso do conceito de cuidador informal não principal, que já abrangia não familiares, este passa a ser muito mais genérico, abrangendo aparentemente qualquer pessoa que “acompanha e cuida de forma regular, mas não permanente da pessoa cuidada, podendo auferir ou não remuneração por actividade profissional ou pelos cuidados que presta à pessoa cuidada”.

Este alargamento parece-nos adequado, já que o anterior conceito que restringia a qualidade de cuidador informal principal aos cônjuges/unidos de facto e outros familiares, deixava de fora da possibilidade de reconhecimento do estatuto muitos cuidadores informais de facto e, por outro lado, no caso de familiares impedia o reconhecimento do estatuto a quem, embora prestando cuidados regulares e permanentes, não reside sempre na mesma casa.

No entanto, apesar deste alargamento dos conceitos ser em princípio positivo, como o processo de reconhecimento do estatuto não foi simplificado ou facilitado, isso pode significar que muitas destas pessoas nunca conseguirão o reconhecimento. Não tendo o reconhecimento, não terão acesso aos direitos atribuídos aos cuidadores informais e, no caso específico dos cuidadores informais não principais, não gozarão dos direitos de conciliação previstos na lei laboral.  

Finalmente, no caso dos cuidadores informais principais, o abandono da condição de comunhão de habitação e partilha do mesmo domicílio fiscal, pode dificultar ou mesmo impedir o acesso ao subsídio de apoio ao cuidador informal principal, já que este subsídio é calculado em função dos rendimentos do agregado familiar.   

 

Só para ilustrar as dificuldades de reconhecimento do estatuto de cuidador informal, estima-se que existam em Portugal cerca de 800 mil cuidadores informais, 200 mil dos quais permanentes, mas em 2023 o Estatuto abrangia apenas 16 mil pessoas e o subsídio de apoio estava atribuído a 5200. 
  
    • Alteração parcial do conceito de pessoa cuidada

Neste caso, as alterações referem-se apenas às pessoas que se encontram acamadas ou a necessitar de cuidados permanentes apenas transitoriamente, ou seja pessoas cuja situação de dependência é temporária.
Neste caso, por um lado, deixa-se cair a exigência de que a pessoa cuidada esteja a receber subsídio por dependência de 1º grau e, por outro, alteram-se os critérios de reconhecimento da pessoa cuidada. 
Eventualmente ficarão abrangidas mais pessoas, mas o processo fica mais complexo.
    
    • Cessação do subsídio de apoio ao cuidador informal principal

Até aqui a lei previa como causa de cessação do subsídio de apoio, entre outras, “a cessação da comunhão de habitação entre a pessoa cuidada e o cuidador”. Com a presente alteração, esta causa foi substituída pela “cessação das situações previstas no nº2 do artigo 2º”, o que remete para a cessação da comunhão de habitação, quando esta é exigida, e para a cessação de uma vivência de entreajuda e partilha de recursos entre a pessoa cuidada e o cuidador, o que, sendo necessariamente uma situação de natureza subjectiva, se nos afigura extremamente difícil, senão impossível, de aferir para efeitos de cessação de uma prestação. 
   
    • Direito ao descanso do cuidador informal

O direito ao descanso foi sempre uma das exigências fundamentais dos cuidadores informais e considerado como condição essencial para a saúde física e mental dos cuidadores informais.

No entanto, foi sempre um direito previsto de forma muito condicionada e regulado de forma ainda mais contingente, sendo praticamente impossível a qualquer cuidador informal exercer na prática este direito ao descanso.

Esta alteração introduz no Estatuto do Cuidador Informal uma nova disposição especificamente consagrada ao descanso do cuidador informal, listando um conjunto de medidas que devem garantir o direito ao descanso, mas sem as concretizar. 

Em sede das alterações à regulamentação, o descanso do cuidador é reconhecido como um direito, o que não sucedia até aqui, mas também não há qualquer concretização das medidas que visam garantir tal descanso, remetendo-se os respectivos tempos e condições para futura portaria.

Ou seja, mais uma vez o descanso do cuidador não fica garantido.
   
    • Consentimento da pessoa cuidada

O consentimento da pessoa cuidada é um passo essencial do processo de reconhecimento do estatuto de cuidador informal – este consentimento consiste na manifestação de vontade inequívoca de que a pessoa cuidada pretende que o requerente do estatuto seja reconhecido como seu cuidador.

 A prestação de consentimento torna-se obviamente difícil quando a pessoa cuidada não se encontra no pleno uso das suas faculdades, pelo que a lei tem que encontrar uma solução para tais situações. 

Até aqui atribuía-se ao requerente do estatuto de cuidador informal a faculdade de suprir provisoriamente esse consentimento, mediante apresentação de comprovativo de interposição de acção para atribuição de estatuto de maior acompanhado.


Pela presente alteração, restringe-se a legitimidade para prestar consentimento provisório ao cônjuge ou unido de facto e outros familiares, o que deixa sem solução a situação de pessoas que não tenham parentes que possam prestar consentimento.

Além disso, todo o procedimento de suprimento do consentimento da pessoa cuidada que se encontre incapaz de o prestar parece muito mais complexo que o anteriormente previsto.

A CGTP-IN considera que a apresente alteração ao Estatuto do Cuidador Informal não avança com as respostas necessárias ao número de famílias nesta situação. Em muitos casos, acaba mesmo por dificultar ou impedir o acesso ao subsídio de apoio ao cuidador informal principal (já em 2023, dos 800.000 cuidadores estimados, o Estatuto abrangia apenas 16.000 pessoas e o subsídio 5.200), sendo que regula, mas não garante o direito do cuidador ao descanso.

A CGTP-IN exige a regulamentação do conjunto de medidas que reconheça, de facto, o Estatuto e o apoio adequado aos cuidadores informais.