Plano de Acção
ÍNDICE Introdução .
1. Direito à Igualdade e Novo Quadro Jurídico-Laboral.
1.1 O Direito português e a perspectiva internacional. 1.2 A contratação colectiva e a Igualdade. 1.3 O acesso à justiça e o papel dos contenciosos sindicais
2. Actividade Económica e Igualdade no Emprego
2.1 A taxa de actividade feminina 2.2 O emprego feminino 2.3 A evolução recente do mercado de trabalho 2.4 O ensino e a formação profissional
3. Condições de Trabalho e de Vida – Evidências da Discriminação
3.1 As remunerações 3.2 O tempo de trabalho e a vida pessoal e familiar 3.3 O ambiente de trabalho e a saúde laboral 3.4 O exercício dos direitos de maternidade e paternidade
4. Direito à Saúde – Uma Perspectiva de Género
4.1 A doença e a política de saúde 4.2 O acesso aos cuidados de saúde materno-infantil 4.3 A educação sexual e o planeamento familiar 4.4 O aborto clandestino
5. Protecção Social para Garantir a Igualdade
5.1 A maternidade e a paternidade – direitos e prestações sociais 5.2 Os equipamentos e os serviços sociais 5.3 A pobreza e o rendimento mínimo – as vulnerabilidades femininas
6. Organização e Formação para a Participação Equilibrada
6.1 A organização sindical específica – reforço da unidade e da coesão na acção 6.2 A formação para a igualdade – uma questão de democracia e de consciência cívica 6.3 A participação na vida sindical e na sociedade - um direito de cidadania, um dever de intervir
7. Mentalidades - Agentes de Mudança
7.1 A família – realidades do nosso tempo 7.2 A partilha equilibrada das responsabilidades familiares 7.3 A violência doméstica – um problema social 7.4 A educação e as novas gerações – por uma pedagogia de igualdade 7.5 A comunicação social e as representações do feminino
Introdução
A IV Conferência sobre Igualdade entre Mulheres e Homens realiza-se decorridas mais de três décadas sobre a revolução libertadora de Abril, um acto e um processo que, para os trabalhadores e para as mulheres em particular, se revestiu de importância acrescida. A par da instauração da democracia e da conquista de direitos e liberdades fundamentais, nomeadamente na esfera dos direitos políticos, Abril permitiu mudanças profundas na vida social e familiar e nas mentalidades, abrindo caminho à igualdade de direitos e oportunidades entre mulheres e homens, na sociedade portuguesa.
Nos anos que se seguiram à revolução, alcançaram-se conquistas importantes no plano legislativo e registaram-se progressos assinaláveis na situação de facto das mulheres: cresceu o peso da mão-de-obra feminina na actividade económica; elevou-se o seu nível cultural e de instrução; melhorou o seu acesso aos cuidados de saúde e à protecção social; aumentou a sua participação em cargos do aparelho de Estado, nas organizações sociais, políticas e culturais.
Mas as desigualdades de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens não foram erradicadas, em múltiplas dimensões. Pelo contrário, nos últimos anos, há mesmo indicadores consistentes que tornam evidentes alguns retrocessos, nomeadamente no mundo do trabalho, em resultado das políticas de direita que se têm sucedido e da forte ofensiva desencadeada contra os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores e outras conquistas democráticas.
Em consequência, tem-se verificado o agravamento da situação das mulheres em vários domínios e a limitação de muitos dos seus direitos, assistindo-se, ainda, à tentativa de, de novo, as reconduzir à esfera doméstica, eventualmente a tempo parcial, atribuindo-lhes a principal responsabilidade na prestação de cuidados aos filhos e aos idosos dependentes, perante a demissão do Estado de funções sociais vitais para a efectivação da igualdade, a qualidade de vida da população e o bem-estar das famílias.
Para a CGTP-IN, a igualdade de género é inseparável de noções fundamentais acerca de justiça social, direitos humanos e democracia. Para a CGTP-IN, a igualdade de mulheres e homens no mundo do trabalho é, também, um pré-requisito para a democracia participada e para o progresso e o desenvolvimento económico, social e humano sustentável. Neste contexto, a concretização do direito ao trabalho e o trabalho com direitos são indissociáveis do progresso e do desenvolvimento e fundamentais para que as mulheres assegurem a sua independência económica e, por essa via, abram novas oportunidades para alcançarem a igualdade noutros patamares da vida em sociedade.
“Garantir a Igualdade, Agir para Mudar” é o lema da IV Conferência. Porque apesar de consagrada na lei, a igualdade está longe de constituir uma realidade no quotidiano das mulheres; porque, fundamentalmente, é preciso agir, através da aplicação de políticas, programas e medidas articuladas e eficazes, para garantir a mudança necessária.
Uma Conferência que, como o presente Plano de Acção demonstra, não é apenas das mulheres ou da Comissão Nacional de Mulheres da CGTP-IN. Uma Conferência da CGTP-IN para os quadros e activistas sindicais, para as trabalhadoras e trabalhadores portugueses, um contributo para potenciar o combate às desigualdades sociais e às discriminações e para promover a igualdade, em ordem à concretização de uma sociedade mais justa, mais humana e mais solidária.
Uma Conferência que, inserindo-se nos objectivos mais amplos da luta, do movimento sindical, contra a opressão e a exploração capitalista e neoliberal, reafirma a CGTP-IN como força pioneira e consequente na acção em prol da efectivação da igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens.
1. Direito à Igualdade e Novo Quadro Jurídico-Laboral
1.1 O Direito português e a perspectiva internacional
O direito à igualdade de género (entre mulheres e homens) tem suporte em fontes comunitárias e em convenções internacionais.
No plano internacional, o direito de igualdade mereceu tratamento autónomo no Pacto Internacional sobre Direitos Políticos e Sociais e Culturais e na Carta Social Europeia, de 1961, do Conselho da Europa.
No plano comunitário, o direito sobre a igualdade de género foi objecto de grandes avanços com a publicação das directivas da CEE e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia, os quais vieram a ser determinantes no processo legislativo português.
Em Portugal, só a partir de 1976, e graças ao direito novo decorrente da Revolução de Abril, é que, pela primeira vez, a Constituição da República Portuguesa (CRP) consagrou o princípio da igualdade entre mulheres e homens. Princípio transposto para lei ordinária apenas em 1979, através do Decreto-Lei nº 392/79, de 20 de Setembro.
Desde então, o Direito português, em resultado da iniciativa legislativa das forças de esquerda na Assembleia da República, tem vindo a consagrar importantes direitos de protecção da maternidade e da paternidade, acolhendo, ainda, muito do contributo comunitário no tocante a estes direitos e aos relacionados com a igualdade de tratamento entre mulheres e homens e a conciliação da vida profissional com a vida familiar.
Daí decorre a importância de se ter presente que há disposições no direito comunitário e no direito internacional que Portugal deve continuar a cumprir, na medida em que consubstanciam evoluções em matéria de igualdade de género no trabalho e no emprego.
No direito comunitário, surge como principal fonte o Tratado da União Europeia, cujas normas são concretizadas por diversas Directivas, que obrigam os Estados-membros. Directivas sobre: aplicação do princípio da igualdade de remuneração; igualdade de tratamento no acesso ao emprego, à formação e à promoção profissionais e às condições de trabalho; ónus da prova nos casos de discriminação, directa e indirecta, baseada no sexo, entre outras.
Na evolução do direito sobre a igualdade entre mulheres e homens, importa ter presente a interpretação das Directivas comunitárias e ainda os Acórdãos que fixam a Jurisprudência do Tribunal das Comunidades Europeias. Na União Europeia, há a referir, ainda, a Carta dos Direitos Fundamentais.
No âmbito do Conselho da Europa, temos como referência a Carta Social Europeia de 1961, revista em 1996, que Portugal ratificou em 2001.
No que se refere às obrigações em matéria de direito internacional, Portugal está vinculado, relativamente à ONU, por instrumentos como: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as mulheres ou o Protocolo Opcional a esta Convenção. Relativamente à OIT, o Estado Português também é obrigado por várias convenções, de que se destaca a Convenção n° 103 sobre a Protecção da Maternidade.
Apesar de se revestirem de grau inferior de compromisso jurídico, importa, ainda, ter em conta: a Declaração sobre a Igualdade das Mulheres e dos Homens e a Plataforma de Acção de Pequim, aprovadas em 1995 na IV Conferência Mundial da ONU sobre as Mulheres, e a Declaração de Istambul, dos Ministros do Conselho da Europa, sobre a igualdade entre mulheres e homens como critério fundamental da democracia, em 1997.
No Direito Português, o Decreto-Lei nº 392/79, de 20 de Setembro, constitui a pedra angular do edifício jurídico relativo à igualdade e à não discriminação, uma vez que consagrou regras destinadas a impedir que, por motivo do sexo, da maternidade ou paternidade, alguém pudesse ser discriminado no acesso ao emprego, à profissão ou ao posto de trabalho, na formação profissional e na carreira, estabelecendo o princípio geral da igualdade de remuneração entre mulheres e homens e autonomizando, para este efeito, o conceito de remuneração.
A criação, também em 1979, da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) com a expressa competência para emitir pareceres prévios ao despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes constitui, também, um marco muito importante no domínio da protecção da maternidade.
Segue-se a publicação, em 1984, da Lei da Maternidade e da Paternidade e, posteriormente, de legislação diversa relacionada com a protecção da maternidade e paternidade e de alargamento dos direitos inerentes, de alargamento de regimes aos trabalhadores da Administração Pública, de definição do conceito de discriminação indirecta e de inversão do ónus da prova em acções judiciais tendentes a provar qualquer prática discriminatória, de reforço dos mecanismos de fiscalização e punição de práticas laborais discriminatórias em função do sexo.
Em Dezembro de 2003, após um período de acesa luta sindical e política, na sequência da apresentação, pelo Governo PSD/PP, de um anteprojecto de revisão da legislação laboral que visava descaracterizar o Direito do Trabalho e atacar os direitos sindicais, entrou em vigor o Código do Trabalho e, alguns meses depois (em Agosto de 2004), a sua regulamentação.
A actual legislação laboral integra, assim, normas particularmente gravosas para as trabalhadoras e os trabalhadores e o livre exercício da acção sindical – o ataque à contratação colectiva (visando a caducidade das convenções) e aos direitos sindicais, a redução legal do período de trabalho nocturno, a flexibilidade dos horários numa lógica de maior subordinação aos interesses das empresas, entre outras - e alguns retrocessos no domínio dos conceitos de discriminação e da sua necessária articulação com o princípio da igualdade.
A regulamentação do Código veio, ainda, estabelecer dois regimes diferenciados no trabalho a tempo parcial e no horário flexível, autonomizando o aplicável aos funcionários públicos, afastando-se, assim, do princípio da igualdade de tratamento, o que pode consubstanciar uma inconstitucionalidade material.
Porém, a luta travada e a denúncia pública desenvolvida pela CGTP-IN e certas disposições da legislação comunitária constituíram, de algum modo, um travão que conduziu a que fosse, mesmo assim, preservado muito do que já se tinha conquistado nesta área, não sem que o Código tenha deixado de transparecer o afloramento de um conceito de família mais conservador e desligado da realidade concreta.
No dia-a-dia de muitas empresas e serviços, as trabalhadoras e os trabalhadores são, frequentemente, confrontados com a violação dos seus direitos. Há, por isso, que agir com vista à sua efectivação:
No entanto, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens considera que é necessário introduzir alterações ao actual quadro legal, reclamando:
1.2 A contratação colectiva e a igualdade
As convenções colectivas de trabalho asseguram direitos fundamentais às trabalhadoras e trabalhadores nas relações de trabalho. Por isso, têm que ser o motor da regulamentação dos direitos que tratam da igualdade de mulheres e homens, nas suas diversas vertentes, tais como a garantia do acesso ao emprego e ao trabalho, a promoção da igualdade e o combate às discriminações directas e indirectas na retribuição. Devem, ainda, consagrar mecanismos de garantia da conciliação da vida profissional com a vida familiar, nomeadamente, assegurando que a organização do tempo de trabalho não impede as responsabilidades dos pais e mães no apoio aos filhos e demais membros do agregado familiar.
Enquanto fonte especial de regulamentação de direitos, as convenções colectivas de trabalho têm potencialidades únicas para tratar de forma apropriada tudo o que tenha que ver com as matérias de igualdade entre mulheres e homens, mas, também, tudo o que respeite à prestação do trabalho de forma digna. Ou seja, têm também, por exemplo, que regular, sem constrangimentos de qualquer tipo, de modo a impedir que ocorram situações de discriminação das mulheres e dos homens por assédio sexual ou por coacção psicológica no exercício da actividade profissional.
As convenções colectivas de trabalho apresentaram, ao longo do tempo, soluções diferenciadas para os problemas que as mulheres e os homens sentiram, no âmbito das suas relações de trabalho.
Assim, nos primeiros momentos, as convenções regulamentaram o direito de maternidade, garantindo às mulheres a licença de maternidade paga, antecipando-se à sua consagração na Constituição da República de 1976. Também regularam, através da proibição, a prestação de trabalho das mulheres em situação de risco durante a gravidez e, ainda, a proibição do despedimento das mulheres grávidas, puérperas ou lactantes.
Estes direitos, que inicialmente estavam tratados como matérias específicas das mulheres trabalhadoras, vieram a ser também estendidos aos homens, em particular, no que respeita aos direitos relacionados com o apoio à família.
Num segundo momento, foi regulamentado o direito a apoio aos filhos, à conciliação da vida profissional com a vida familiar, aos estudos para os filhos das trabalhadoras e trabalhadores e a eliminação de qualquer tipo de discriminação directa nas convenções colectivas de trabalho.
Actualmente, é fundamental tratar as matérias da igualdade numa visão mais ampla, criando mecanismos de promoção da igualdade de género nas convenções colectivas, que atendam, especialmente: ao combate à discriminação directa e indirecta; à desigualdade retributiva; à garantia de que, às trabalhadoras e aos trabalhadores, será assegurada a possibilidade de compatibilizar a vida profissional com a vida pessoal ou familiar; à garantia de que o trabalho será prestado sem qualquer constrangimento e com respeito pela privacidade de quem trabalha.
Entretanto, normas contidas no Código do Trabalho que visam atingir a contratação colectiva e os direitos nela inscritos (como a que prevê a caducidade das convenções colectivas; ou a possibilidade de a convenção colectiva poder estabelecer disposições menos favoráveis que a lei, entre outras) vêm colocar novos problemas e exigências novas no quadro da acção sindical, o que impõe conhecer melhor e exercer os direitos, mas também intensificar e desenvolver a luta reivindicativa, tomando a iniciativa.
No quadro da negociação colectiva, há, ainda, que valorizar e procurar desenvolver e ampliar os resultados obtidos no âmbito dos projectos NOW/Luna e Equal/Agir pela Igualdade, desenvolvidos pela CGTP-IN, nomeadamente no que se refere aos Protocolos de Acções Positivas celebrados com empresas e serviços, em estreita articulação e com o envolvimento directo das organizações dos trabalhadores, e que permitiram avanços no domínio da igualdade de oportunidades e melhorias nas condições de trabalho das trabalhadoras e trabalhadores.
Neste contexto, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens exige a revogação e/ou revisão das normas gravosas do Código do Trabalho e da respectiva Regulamentação e considera que, enquanto instrumento de evolução dos direitos, a contratação colectiva deve:
1.3 O acesso à justiça e o papel dos contenciosos sindicais
A protecção jurídica é um direito fundamental das cidadãs e cidadãos e um instrumento essencial de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, fazendo, assim, parte integrante do princípio material da igualdade.
O direito legalmente instituído para efeitos do disposto no Artigo 20º da Constituição da República terá de garantir, adequada e eficazmente, que nenhuma cidadã ou cidadão verá impedido ou dificultado o seu acesso ao direito.
No entanto, a Lei 34/2004 de 29 de Julho, que alterou, mais uma vez, as regras de cálculo dos rendimentos susceptíveis de permitir o acesso ao direito, diminuiu, ainda mais, o leque das e dos abrangidos, através do estabelecimento de regras muito estreitas em que fazem assentar a atribuição dos rendimentos do agregado familiar.
Toda a filosofia do diploma parte do pressuposto de que só as cidadãs e cidadãos extremamente carenciados é que terão direito ao apoio judiciário. Todos os restantes ficarão de fora, porque não preenchem os requisitos da legislação, o que diminui o número de pessoas que podem aceder ao direito e aos tribunais porque o rendimento do seu agregado familiar ultrapassa o rendimento mínimo de subsistência.
A Lei vigente faz tábua rasa da realidade dos custos da justiça em Portugal, desde os honorários dos advogados às taxas de justiça, não esquecendo os custos com certidões ou outros documentos.
Assim, com o falso pretexto de simplificar os processos de contagem de custas e de moralizar e racionalizar o recurso aos tribunais, aumentaram, desmesuradamente, as taxas de justiça que, em alguns casos, quadruplicaram; eliminaram e restringiram as respectivas isenções e reduções e enfraqueceram o princípio da tendencial gratuitidade da justiça para a ou o vencedor da causa, sob o qual passou, ainda, a recair o ónus de cobrar as custas à parte vencida.
Tal situação coloca hoje problemas a muitos trabalhadores que pretendem ver defendidos os seus direitos em juízo, afectando as mulheres em particular, na medida em que, segundo as estatísticas, há mais mulheres que homens a intentar acções junto dos tribunais.
Há cada vez mais mulheres a intentarem acções, contudo, não chegam aos tribunais de trabalho processos decorrentes de situações de discriminação no mercado de trabalho.
A discriminação tem razões sociológicas profundas, mas existe já hoje uma nova cultura centrada na igualdade de oportunidades e na necessidade de exigência de cumprimento dos direitos. Os quadros sindicais estão, agora, melhor apetrechados, aumentou o seu nível de consciência e os conhecimentos sobre a legislação, o que lhes permite sensibilizar as trabalhadoras para a exigência do cumprimento dos direitos junto das entidades empregadoras e nos tribunais.
Nesta linha, há que dotar os técnicos dos pré-contenciosos e dos contenciosos sindicais da formação e da informação necessárias, de modo a melhorar a actuação pré-judicial ou judicial para combater as discriminações.
Perante o actual quadro, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens considera fundamental:
2. Actividade Económica e Igualdade no Emprego
2.1 A taxa de actividade feminina
As mulheres constituem 52% da população portuguesa, ultrapassando os 5,4 milhões. 47% são activas, 43% estão empregadas, 33% trabalham por conta de outrem[1]. Mas nem sempre assim foi. Nas últimas décadas, verificaram-se grandes transformações na sociedade portuguesa, uma das quais foi o grande aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, se bem que elas tenham sempre tido um papel fundamental na sociedade e na economia. Todavia, esse papel nem sempre foi desempenhado no interior do mercado de trabalho, nem tão pouco reconhecido.
Os dados da taxa de actividade são elucidativos. Em 1960, a taxa de actividade feminina era de 13,1%, tendo passado para 46,7% quarenta anos mais tarde, um valor já mais próximo da taxa de actividade masculina.
O conceito actual de população activa apenas engloba a população empregada e os desempregados. Ficam assim de fora, em 1960, as domésticas e as domésticas agrícolas e, a partir de 1970, somente as domésticas, ou seja, um grande número de mulheres não contabilizado na população activa mas que, efectivamente, contribuía para a economia do país, uma vez que assegurava os cuidados com crianças e outros dependentes e as tarefas domésticas do agregado familiar, evitando que tais serviços tivessem que ser adquiridos no mercado. Em 1960, existiam 2,9 milhões de mulheres (62% do total), na sua maioria domésticas. Hoje, as domésticas representam apenas 11% do total de mulheres.
A par do forte crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho, a taxa de actividade masculina é agora mais baixa que em 1960. Depois de um período de descida constante verificado até 1991, houve alguma recuperação nos últimos anos (se bem que há que ter alguma cautela nas comparações, uma vez que, a partir de 2002, se está a trabalhar com uma fonte diferente), embora não chegando ao nível anterior (66%). No entanto, há outros factores que explicam o aumento da participação feminina, como o desejo de independência económica e de realização pessoal, mais determinantes actualmente (ver gráfico 1, em anexo).
A taxa de actividade ou, se quisermos, a taxa de emprego (actualmente o conceito mais usado nas comparações internacionais[2]), é das mais elevadas da União Europeia, situando-se em 61,7% no 2º trimestre de 2004[3], ultrapassando mesmo a meta que está definida para a média da UE em 2010 (60%). De facto, apenas 5 países da União Europeia a 25 têm taxas de emprego feminino mais elevadas que a nossa (Dinamarca, Suécia, Finlândia, Holanda e Reino Unido). E dois deles apenas devido ao peso do emprego a tempo parcial entre as mulheres (casos da Holanda e do Reino Unido).
Discute-se muito qual o impacto da maternidade na taxa de emprego feminina. Portugal é o único país da UE a 15 em que o facto de ser mãe faz aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho. Assim, em 2002, a taxa de emprego das mulheres entre os 20 e os 50 anos com um filho menor de 6 anos era superior em 1,4 pontos percentuais (p.p.) à taxa das mulheres da mesma faixa etária que não têm filhos. Nos Quinze, ter filhos daquela faixa etária fazia descer a taxa de emprego em 12,7 p.p., valor que ultrapassava os 21 p.p. no Reino Unido e Alemanha. De referir que, em todos os países da UE15, a taxa de emprego dos homens aumenta quando têm filhos daquela idade, sendo de mais 10,6 p.p. e 9,5 p.p., respectivamente para Portugal e para a média da UE15, em 2002. Dados de 2003 e 2004 do INE mostram que as taxas de emprego femininas e masculinas aumentam no nosso país quando existem crianças até aos 6 anos.
Do mesmo modo, a idade do filho mais novo tem pouca influência nas taxas de emprego das mães portuguesas, já que a percentagem de mulheres a trabalhar a tempo inteiro ronda os 90%, quer o filho mais novo esteja nas faixas dos 0 aos 3 anos, dos 3 aos 5 ou tenha entre 6 e 16 anos. Outro dado interessante é o aumento contínuo, desde 1985, da percentagem de agregados familiares em que ambos os cônjuges trabalham. Passou-se de 51%, nesse ano, para 70% em 2002.
A existência de condições de trabalho, assente numa política de intervenção da doença profissional e dos acidentes de trabalho, orientada também para o combate às discriminações decorrentes de profissões feminizadas com altas taxas de incidência de doença profissional, nomeadamente das tendinites.
A questão que se colocará no futuro é a de saber como se conseguirão manter tais taxas de actividade feminina se não se aumentar a oferta de serviços de apoio a crianças e outros dependentes, a preços comportáveis e justos para as famílias, e se se continuarem a praticar horários de trabalho que não permitam uma normal vida familiar.
Todo o quadro traçado atrás permite tirar algumas conclusões. A mão-de-obra feminina sempre foi tratada ao sabor das conveniências da exploração capitalista. No passado, como na altura da Guerra Colonial e dos grandes surtos emigratórios, as mulheres foram chamadas a participar no mercado de trabalho para evitar a penúria de mão-de-obra provocada pela falta de força de trabalho masculina. Mas em épocas de aumento de desemprego foram as primeiras a ser despedidas.
Actualmente, assiste-se a uma contradição ao nível do discurso dos responsáveis políticos e de algumas organizações internacionais. O objectivo é, uma vez mais, o aumento da mão-de-obra disponível. Por um lado, clama-se pela participação feminina como forma de aumentar a oferta de trabalho. Mas, por outro, apela-se a que tenham mais filhos (sem proporcionar as condições mínimas devidas) e promove-se o “regresso ao lar” a tempo inteiro ou parcial, o que serve também o objectivo de curto prazo de combate ao desemprego e ao mesmo tempo permite que os Estados poupem em custos que teriam com estruturas de apoio às famílias se cumprissem as suas obrigações sociais. Ao mesmo tempo, tenta inculcar-se a tese da incompatibilidade entre filhos e carreira profissional.
Com vista a promover o aumento da taxa de actividade feminina e a independência da mulher, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens reivindica:
· Medidas que potenciem o aumento da taxa de emprego das mulheres, assegurando ao mesmo tempo empregos de qualidade;
· A atribuição de preferência, em igualdade de circunstâncias, ao género sub-representado, na ocupação dos postos de trabalho, incluindo pessoas portadoras de deficiência; · O aprofundamento da articulação da conciliação entre a actividade profissional e vida pessoal, familiar e social com a criação de emprego nos serviços e a acção local em prol do emprego e o aumento da oferta de serviços de apoio às famílias (crianças e outros dependentes) de qualidade e custo acessível;
· A implementação de horários de trabalho adequados, que permitam a conciliação da vida pessoal e familiar com a vida profissional.
2.2 O emprego feminino
De acordo com o INE, em 2004, havia em Portugal 2,3 milhões de mulheres empregadas, quase 1,8 milhões (ou seja, 76%) a trabalhar por conta de outrem. Representavam 46% do emprego total e 47% dos trabalhadores assalariados, o que significa que a sua taxa de assalariamento era superior à masculina (72%). A maioria trabalhava no sector dos serviços (68% do total das mulheres empregadas).
Os Quadros de Pessoal permitem-nos saber mais sobre actividades, níveis de qualificação e habilitação e profissões das trabalhadoras assalariadas do nosso país[4]. Em 2002, as mulheres representavam 43% do total de trabalhadores assalariados apurados. Analisando a estrutura por grandes sectores de actividade, verifica-se que a maior parte se concentrava nos Serviços (65%), seguindo-se a Indústria (34%) - com destaque para as Indústrias Transformadoras (31%) - e por fim a Agricultura e Pesca (2%). O grau de concentração das mulheres nas actividades de serviços é bastante superior ao que acontece com os homens (47%).
O Comércio é a actividade que absorve mais trabalhadoras (21%), aparecendo em segundo lugar a Indústria Têxtil e do Vestuário (13%), em terceiro o Imobiliário e Serviços às Empresas (11%), em quarto o Alojamento e Restauração (9,3%), e em quinto a Saúde (8,9%), para referir apenas as mais significativas.
Relativamente a 1995, houve um reforço da concentração das mulheres nos Serviços (mais 13,6 pontos percentuais), muito superior ao que se verificou entre os homens (apenas mais 2 pontos percentuais). E embora as cinco actividades mais importantes em 2002 fossem as mesmas que em 1995, verificou-se uma perda de peso da Indústria Têxtil e do Vestuário (8,8 pontos percentuais), que ocupava a primeira posição em 1995, havendo, pelo contrário, um aumento das outras quatro já referidas, todas elas pertencentes ao sector dos serviços. Por outro lado, houve um reforço do peso total destas cinco actividades no total do emprego feminino, já que passaram de 59,8% do total das assalariadas em 1995 para 63,3% em 2002. Refira-se que as mesmas actividades apenas absorviam 35,5% dos homens em 2002.
Não admira, portanto, que algumas destas actividades se encontrem fortemente feminizadas. Em 2002, 88% dos trabalhadores da Saúde eram mulheres, o mesmo acontecendo com 74% na Indústria Têxtil e do Vestuário, 62% no Alojamento e Restauração. Destaca-se também a Educação (com 74%), a Indústria do Calçado e do Couro (61%) e Outras actividades de serviços (60%). E também aqui houve um reforço face a 1995 (ver quadro 1, em anexo).
As profissões ligadas aos serviços e vendas absorvem quase um quarto da mão-de-obra feminina, seguindo-se as profissões administrativas e similares (21%), as profissões não qualificadas (16%) e as operárias (15%). No conjunto, estes quatro grandes grupos profissionais empregavam 76% das trabalhadoras por conta de outrem. Também aqui há diferenças em relação aos trabalhadores do sexo masculino, já que estes quatro grandes grupos concentravam 61% da mão-de-obra masculina. Entre estes, têm maior preponderância as profissões operárias (30%) e as ligadas à operação de instalações e máquinas (16%).
Uma análise mais desagregada permite verificar que, entre as mulheres, assumem particular importância as Empregadas de Escritório (17%), as Outras Operárias, Artífices e Trabalhadoras Similares (13%), o Pessoal dos Serviços Directos e Particulares, de Protecção e Segurança (13%), as Trabalhadoras Não Qualificadas dos Serviços e Comércio (12%), as Manequins, Vendedoras e Demonstradoras (11%). No seu conjunto, absorvem 66% das trabalhadoras. Refira-se que, as cinco profissões mais importantes entre os homens, apenas abrangem 50% dos trabalhadores. Há, assim, um maior grau de concentração de mulheres em termos de profissões desempenhadas.
As profissões mais significativas em termos do emprego assalariado feminino são, também, aquelas em que a taxa de feminização é maior (entre 60% e 67%), havendo, no entanto, outras que também se destacam pela forte presença de mulheres. É o caso dos Profissionais de Nível Intermédio do Ensino e das Ciências da Vida e da Saúde e dos docentes e especialistas destas áreas e ainda dos Empregados de Recepção, Caixas, Bilheteiras e Similares. De referir também que, embora entre os quadros superiores as mulheres representem apenas 28% do emprego assalariado, na Administração Pública o seu peso chega aos 42%, o que mostra a importância deste sector para o emprego qualificado das trabalhadoras portuguesas (ver quadro 2, em anexo).
As mulheres têm um nível de qualificação consideravelmente mais baixo que os homens. De facto, em 2002 apenas 53% eram qualificadas[5], enquanto que entre os homens essa percentagem chegava aos 71%. E embora tivesse havido um aumento mais acentuado da percentagem de mulheres qualificadas (de 3,1 pontos percentuais) do que de homens (mais 1,8 pontos percentuais), elas continuavam a ser apenas 36% do total de trabalhadores qualificados, quando representavam 43% do emprego assalariado em 2002. Entre as qualificações mais elevadas destaca-se a baixa percentagem de mulheres Encarregadas, Contramestres e Chefes de Equipa (com 24%), o que não é tão acentuado noutros níveis de qualificação mais altos, provavelmente porque o acesso a estes últimos terá uma maior ligação com as habilitações, o que não acontecerá no primeiro caso referido.
Em contrapartida, 55% dos menos qualificados são mulheres, percentagem que também aumentou em relação a 1995, principalmente entre os Profissionais Semi-qualificados, onde as mulheres chegam a ser 60%. Preocupante é o facto de, quer para homens, quer para mulheres, ter aumentado a percentagem de profissionais não qualificados entre 1995 e 2002 (ver quadro 3, em anexo).
Além de concentrado em determinadas actividades e profissões e de ser pouco qualificado, o trabalho feminino é ainda atingido pela precariedade dos vínculos laborais. No 2º trimestre de 2004, 20% dos trabalhadores portugueses tinham contratos não permanentes, estando apenas abaixo da Espanha (30%) e da Polónia (23%)[6]. A percentagem de mulheres com contratos não permanentes era de 21%. Apesar do diferencial entre homens e mulheres não ser significativo para o total dos trabalhadores (2 pontos percentuais), nas faixas etárias mais jovens isso não acontecia, destacando-se em particular os jovens até aos 25 anos. 52% das jovens até aos 25 anos tinham vínculos precários, sendo a mesma percentagem de 44% entre os jovens do sexo masculino.
A precariedade aumentou 27% desde o 2º trimestre de 1998 e o mesmo período de 2004, tendo o emprego permanente crescido apenas 7% nestes 6 anos. Não admira por isso que, cerca de metade do emprego criado nesse período, tenha sido precário. Entre as mulheres, a precariedade aumentou 33% e o trabalho permanente apenas 10%.
Embora a Agricultura, Silvicultura e Pesca seja o sector com a mais elevada taxa de precariedade (47%), destaca-se, pela percentagem de trabalhadores abrangidos, o sector dos serviços, onde os contratos não permanentes atingiam 24% dos assalariados. Na Indústria, a mesma percentagem era de 14%.
Apesar de não ser muito significativo entre os trabalhadores assalariados (5%), o trabalho a tempo parcial tem alguma importância entre os trabalhadores por conta própria (27%) e os familiares não remunerados (46%). No global, 11% do emprego total é a tempo parcial (573 milhares), sendo 16% no caso das mulheres (377 milhares), que são a maioria dos que têm este tipo de horário (66%). Entre os assalariados, a percentagem de mulheres é superior (80%), o que representa 9% do total de mulheres assalariadas. Em relação a 1998, há uma ligeira redução do peso do trabalho a tempo parcial em relação ao total. Ainda assim, é de referir que apenas 16% dos que trabalham a tempo parcial, o fazem por opção. 42% não conseguiu encontrar trabalho a tempo inteiro e 21% está a estudar, é doente ou não dispõe de tempo devido à prestação de cuidados a dependentes, aspecto particularmente importante no caso das mulheres. Por outro lado, a maioria (62%) declara que gostaria de trabalhar mais horas no quadro do emprego actual.
Neste quadro, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens desenvolverá a sua acção:
· Exigindo medidas que combatam a precariedade do emprego - nomeadamente através das alterações legislativas convenientes e de uma maior e melhor fiscalização por parte das entidades competentes (Inspecção-Geral do Trabalho, Inspecção-Geral da Administração Pública, etc), aplicando o princípio de que, a funções permanentes, devem corresponder postos de trabalho permanentes;
· Exigindo a abolição de todas as formas de subcontratação de trabalhadores, designadamente na Administração Pública;
· Defendendo o princípio da livre escolha e da reversibilidade do trabalho a tempo parcial.
2.3 A evolução recente do mercado de trabalho
O emprego total[7] aumentou 5,8% entre 1998 e 2004, um aumento médio de 0,9% ao ano. O emprego feminino cresceu mais que o emprego masculino (8,8% contra 3,3% no total do período), acontecendo o inverso no que diz respeito ao desemprego (36% face a 56% no caso dos homens). Daí que, o diferencial de género entre taxas de emprego e desemprego, tenha diminuído ao longo do período. Apesar disso, as mulheres são mais de metade do total de desempregados e a sua taxa de desemprego é mais elevada que a masculina. Em 2004, as taxas de desemprego feminina e masculina foram, respectivamente, 7,6% e 5,8%, sendo de 6,7% a taxa de desemprego média[8]. Acresce que os dados referentes ao último trimestre de 2004 indiciam que poderemos estar a assistir a uma inversão da tendência de desaceleração do crescimento do desemprego, o que é preocupante. No 4º trimestre a taxa de desemprego total chegou aos 7,1%, sendo de 7,9% no caso das mulheres e 6,3% no caso dos homens.
O forte aumento do desemprego verificado em 2002 e 2003 (27% em cada ano) fez com que entre 2001 e 2004 se tivessem perdido mais de 140 mil postos de trabalho em termos líquidos, 106,9 mil dos quais ocupados por homens e 33,6 mil por mulheres.
Por outro lado, está-se a observar, em Portugal, uma alteração nas características do emprego. As profissões em que se verificou criação de emprego são as que exigem maior escolaridade e qualificação (quadros superiores, especialistas científicos e intelectuais), e as profissões onde se observou destruição de emprego são as que exigem menos escolaridade e qualificação (agricultores e trabalhadores da agricultura e pesca, operários e trabalhadores similares e trabalhadores não qualificados). Entre o 2º trimestre de 2001 e o 2º trimestre de 2004, foram criados 256 mil empregos nas profissões que exigem maior escolaridade e qualificação, tendo sido destruídos, ao mesmo tempo, 223 mil empregos nas profissões que exigem menor escolaridade e qualificação. Uma evolução que poderá não ser tão favorável como parece, uma vez que, como se viu atrás, a maioria da população empregada tem baixa escolaridade e baixa participação na formação.
Como consequência desta destruição de empregos ligados essencialmente a baixas qualificações e escolaridade, a reintegração destas trabalhadoras e trabalhadores no mercado de trabalho é cada vez mais difícil, aumentando o desemprego de longa duração. Assim, entre o 2º trimestre de 2001 e o 2º trimestre de 2004, o desemprego com mais de 12 meses de duração aumentou 91%, crescendo 117% o desemprego com duração superior a 24 meses. O peso do desemprego de longa duração aumentou de 40% no 2º trimestre de 2001 para 45% no mesmo trimestre de 2004. E, tal como no desemprego total, a maioria são mulheres.
As medidas governamentais destinadas a favorecer o emprego das mulheres são, por um lado, contraditórias, por outro, insuficientes, por não terem tradução prática ou a sua execução ser muito baixa.
Ao nível das intenções há enunciados favoráveis nos diferentes Planos Nacionais de Emprego (já em execução há 7 anos), como a transversalidade das questões de género em todo o plano e, em termos concretos, com a definição de objectivos de redução das disparidades salariais, profissionais e sectoriais.
No entanto, os resultados são decepcionantes. Uma das metas fixadas é a redução em 1/3 do diferencial entre a taxa de desemprego masculina e feminina até 2005/2006, face a 2001. Houve, de facto, uma diminuição, mas não porque se tenham feitos esforços eficazes em relação ao desemprego feminino e sim porque o desemprego masculino tem aumentado mais do que o feminino, como se disse atrás. Como se viu, também houve um reforço da concentração das mulheres nos serviços e nas actividades que já absorviam mais mão-de-obra feminina, bem como o reforço da taxa de feminização de determinadas actividades. E, apesar do nível de habilitações e participação na formação, o aumento das qualificações foi inferior ao dos homens. Aumentou, também, o nível de precariedade do emprego.
Por outro lado, e não menos importante, há políticas muito negativas para os trabalhadores em geral e para as mulheres em particular, como é o caso do Código do Trabalho e das suas previsões sobre o aumento do período em que é admissível a contratação a termo ou da flexibilização do horário de trabalho apenas por conveniência da empresa.
Perante a situação descrita, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens reivindica:
· Medidas para fomentar o pleno emprego, defender o sector produtivo nacional e dificultar a deslocalização de empresas;
· A alteração das políticas gravosas para o emprego, nomeadamente a submissão da política económica ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, das disposições nefastas do Código do Trabalho e da reforma da Administração Pública nos moldes preconizados;
· Medidas que permitam antecipar e gerir as reestruturações industriais, detectando e acompanhando as empresas em situação económica difícil, de sectores em reestruturação, em reorganização ou modernização tecnológica e obrigando as empresas (sancionando as que não o fazem) à procura activa de medidas alternativas aos despedimentos (através de reclassificações, formação, reconversão profissional, transferência de trabalhadoras e trabalhadores, sem perda de direitos, para outras empresas ou estabelecimentos do mesmo grupo económico);
· Medidas que garantam o cumprimento das metas do PNE 2003/2006, nomeadamente, a redução em 1/3 dos diferenciais entre as taxas de emprego e de desemprego masculinas e femininas até 2005/2006, face a 2001, e a redução gradual das diferenciações salariais entre homens e mulheres com vista à sua eliminação;
· Medidas que concretizem o eixo estratégico do PNE 2003/2006, de “fomentar uma representação mais equilibrada das mulheres e dos homens nos diferentes sectores e profissões”;
· A abordagem da igualdade de género de forma transversal, no conjunto dos programas, focalizando os meios disponíveis nas metas com maiores carências de intervenção, privilegiando as medidas de maior impacto e minimizando os projectos residuais.
2.4 O ensino e a formação profissional
Qualquer que seja o indicador utilizado, é visível que o nível de educação atingido pela população portuguesa e, nomeadamente, pela população empregada, é ainda muito baixo. Ao mesmo tempo, os progressos realizados têm sido mais significativos entre as mulheres, particularmente entre as gerações mais jovens. Ainda assim, a taxa de analfabetismo das mulheres continuava a ser o dobro da masculina em 2001 (12% contra 6%[9]).
Em 2002, 80% da população portuguesa em idade activa[10] possuía apenas o ensino básico ou menos, quando a média da OCDE era apenas 33%. A percentagem de portugueses com o ensino secundário era apenas de 11%, quando a média da OCDE atingia 44%. A população com o ensino superior era apenas de 9%, enquanto a média da OCDE atingia 23%. E esta realidade é tanto mais preocupante quanto o ritmo de crescimento da população com maior nível de ensino foi inferior ao verificado na média da OCDE. Os indicadores eram um pouco mais favoráveis no que toca às mulheres mas, ainda assim, pouco satisfatórios (a percentagem de mulheres em idade activa com o ensino básico ou menos era de 78%, sendo de 11% quer no ensino secundário quer no ensino superior[11]).
A participação das mulheres no emprego, segundo o nível de educação completo, aumentou consideravelmente mais que a dos homens entre 1991 e 2001[12] (61% contra um decréscimo de 14% entre os homens com o ensino básico; 147% contra 0,5% relativamente ao ensino secundário; 199% contra 111% no ensino superior).
Deste modo, o peso das mulheres com o ensino básico completo entre a população empregada passou de 27% para 41% entre 1991 e 2001, tendo-se verificado um aumento da mesma ordem no ensino secundário (de 27% para 46%), percentagens já semelhantes ao seu peso no emprego total. Mas é em relação ao ensino superior - factor chave de progresso e de criação de uma sociedade baseada no conhecimento - que a alteração foi mais profunda, uma vez que o peso das mulheres com licenciatura completa na população empregada ultrapassa já o dos homens. Em 1991, as mulheres representavam apenas 47% dos licenciados, enquanto em 2001 a sua importância chegava aos 55% e a tendência é que o seu peso continue a crescer muito mais rapidamente do que o dos homens.
O fosso entre homens e mulheres no que toca à escolaridade tem tendência para aumentar no futuro. Assim o indiciam os indicadores relativos ao abandono escolar precoce (32% entre as raparigas face a 49% entre os rapazes, no 1º trimestre de 2004), as taxas de conclusão do ensino secundário (68% entre as raparigas e 60% entre os rapazes no ano lectivo de 1997/98) ou o número de alunos diplomados com o ensino superior (em 2000/2001 as mulheres foram 67% do total de novos diplomados, sendo 70% dos bacharéis, 68% dos licenciados, 61% dos pós-graduados, 52% dos mestres e 47% dos doutores)[13].
Apesar de haver concentração, quer de mulheres, quer de homens, em determinadas áreas de estudo (mesmo entre as gerações mais novas), há, contudo, diversas áreas científicas em que as mulheres são já a maioria, algumas das quais tradicionalmente mais procuradas pelos homens. Isto acontece relativamente ao ensino superior e mesmo entre a população empregada. Em 1991, as mulheres licenciadas constituíam a maioria dos empregados apenas nas Ciências da Educação e Formação de Professores (85%), Letras e Ciências Religiosas (72%), Ciências Exactas Naturais (72%) e Ciências Médicas (55%). Em 2001, continuavam a ser maioritárias naquelas áreas, reforçando até o seu peso, e passaram também a ser a maioria noutras áreas de saber, como a Matemática e Estatística (73%), Jornalismo e Informação (70%), Ciências Físicas (66%), Belas Artes e Artes Aplicadas (62%), Saúde (61%), Ciências Sociais (60%), Direito (54%), Administração de Empresas e Técnicas de Comerciais (54%), e Indústrias de Transformação e Tratamento (53%). As mulheres são apenas minoritárias nas Ciências Veterinárias (42% em 2001), na Agricultura, Silvicultura e Pesca (tendo, contudo, o seu peso aumentado de 26% para 40% entre 1991 e 2001) e nas engenharias, incluindo informática (28% em 2001).
Os dados disponíveis apontam para uma muito baixa taxa de participação da população em idade activa em educação e formação. Apenas 3,2% em 2003, sendo essa percentagem de 3,4% para as mulheres e 3% para os homens[14]. Mesmo tomando em consideração os dados do Inquérito Comunitário à Formação Profissional Contínua[15] referentes à percentagem de TPCO (trabalhadores por conta de outrem) que participa na formação profissional, não se vai além dos 17%, sendo igual a percentagem para mulheres e homens.
Atendendo à representatividade das mulheres no emprego (43% dos TPCO), a sua participação na formação profissional parece adequada em termos de repartição por sexo. Até ao fim do 3º trimestre de 2004, 50% dos participantes em acções de formação profissional do IEFP eram mulheres, 45% se considerarmos apenas a formação contínua. No entanto, na formação inicial, nomeadamente na Aprendizagem, a percentagem descia para 38%. Por outro lado, denota-se que as mulheres são mais encaminhadas para a formação profissional dirigida a desempregados (por exemplo, 67% dos participantes na formação profissional para desempregados, sendo 72% no caso FORDESQ (Formação para Desempregados Qualificados), uma medida de formação profissional destinada a desempregados licenciados).
Na Administração Pública, existe sobrerepresentação das mulheres na formação profissional já que, entre 2000 e 2002, 65% dos participantes eram mulheres, quando o seu peso na Administração Central era de 59%[16].
O problema é que, apesar do seu nível educacional e do acesso à formação profissional (ainda que insuficiente face às necessidades), as mulheres continuam a ser menos reconhecidas profissionalmente do que os homens. A discrepância entre o seu índice de habilitações e o índice de qualificações é superior à que se verifica entre os trabalhadores do sexo masculino. 31 em cada 100 mulheres tem o ensino secundário ou mais, sendo que a mesma relação é de 24 para 100 no caso dos homens. No entanto, 71 em cada 100 homens são qualificados, quando isso acontece apenas para 53 mulheres em cada 100[17].
Na perspectiva da melhoria dos índices em matéria de ensino e formação profissional, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens reivindica:
· Um maior impulso ao cumprimento da meta da Estratégia para a Aprendizagem ao Longo da Vida de avaliar/certificar até 2006, 280 mil pessoas, designadamente, adoptando uma estrutura flexível para os centros de reconhecimento, certificação e validação de competências, de modo a levá-los às empresas;
· O alargamento do sistema de certificação de competências escolares às profissões;
· O desenvolvimento do Sistema Nacional de Certificação Profissional, de modo a ser mais utilizado pelas trabalhadoras, nomeadamente, reconhecendo, para efeitos de progressão na carreira, a formação profissional adquirida;
· Medidas que incentivem uma maior participação das jovens mulheres nas áreas de estudo técnicas, particularmente no ensino secundário, e na formação profissional (nomeadamente no Programa Aprendizagem);
· O aumento da participação da população activa na formação profissional, designadamente, aplicando o direito à formação e tendo em especial atenção as trabalhadoras e os trabalhadores com mais baixas qualificações e habilitações, das faixas etárias mais elevadas (nomeadamente a partir dos 40 anos) e das micro, pequenas e médias empresas;
· A garantia de formação profissional face a eventuais necessidades decorrentes do gozo de direitos de maternidade e paternidade, nomeadamente da respectiva licença de maternidade, paternidade ou parental
· O reconhecimento e valorização das competências formais e informais adquiridas pelas mulheres no exercício das suas actividades sociais e profissionais;
· A ponderação da aprovação, no âmbito do Sistema Nacional de Certificação Profissional, de perfis profissionais que garantam a correcção de situações discriminatórias na progressão de carreiras, formação profissional e acesso ao trabalho;
· A reclassificação profissional dos trabalhadores, nomeadamente das mulheres, de modo a ter em consideração as suas qualificações académicas.
3. Condições de Trabalho e de Vida – Evidências da Discriminação
3.1 As remunerações
Em Portugal, as desigualdades de remunerações entre mulheres e homens continuam a persistir, verificando-se diferenças importantes, embora em termos médios tenham diminuído entre 1991 e 2002.
Segundo dados dos quadros de pessoal divulgados pelo Ministério da Segurança Social e do Trabalho (ver quadro 4, em anexo), em 1991, a remuneração média mensal das mulheres (58.300 escudos) representava 75,7% da dos homens (77.015 escudos) e, em Outubro de 2002, a remuneração média das mulheres (601 euros) correspondia a 80,5% da dos homens (747,4 euros).
A nível de ganho médio mensal a diferença era maior. Assim, em 1991, o ganho médio mensal das mulheres (64.415 escudos) correspondia apenas a 70,5% do dos homens (91.325 escudos) e, em Outubro de 2002, o ganho médio das mulheres (698,3 euros) representava 77,3% do dos homens (908,3 euros).
No entanto, se se fizer uma análise mais fina, nomeadamente por actividades económicas e, dentro destas, por níveis de escolaridade e de qualificação, constata-se que as desigualdades são chocantes em determinadas actividades e são tanto maiores quanto mais elevada é a escolaridade e a qualificação da trabalhadora.
Por exemplo, em 2002, na Silvicultura e Florestas, o ganho médio de uma trabalhadora licenciada corresponde apenas a 37% do homem com idêntico nível de escolaridade; na indústria extractiva, para o mesmo nível de escolaridade, a percentagem é de 54,7% do ganho do homem.
Por outro lado, se se fizer uma análise mais global das desigualdades por níveis de escolaridade, conclui-se, para a grande maioria das actividades, a existência de uma correlação positiva entre nível de escolaridade e desigualdade, ou seja, quanto maior é o nível de escolaridade, maior é a desigualdade de ganhos entre homens e mulheres.
Assim, em 2002, na Agricultura, o ganho médio de uma trabalhadora com uma escolaridade inferior ao ensino básico correspondia a 85,8% do ganho médio do homem com idêntico nível de escolaridade, enquanto o ganho médio de uma trabalhadora licenciada nesta mesma actividade representava apenas 71,2% do homem; na Silvicultura e Florestas, para o nível de escolaridade inferior ao básico, o ganho médio da mulher correspondia a 88,9% do homem, enquanto a nível de licenciados correspondia apenas a 37% do homem; na saúde e acção social, as percentagens eram, respectivamente, de 94,1% e 66,2%; na investigação e desenvolvimento, a desigualdade é maior a nível de licenciados (o ganho das mulheres correspondia apenas a 69,7% do ganho dos homens), do que a nível de trabalhadores com um nível de escolaridade igual ao secundário (81,4% do ganho dos homens).
Por actividades e por níveis de qualificação, idêntica situação se verifica, ou seja, quanto maior é a qualificação, maior é a desigualdade de ganhos entre homens e mulheres.
Assim, de acordo com os dados do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, em 2002, e para todas as actividades, a nível de Praticantes e Aprendizes, o ganho médio das mulheres correspondia a 94,1% do ganho médio dos homens, enquanto a nível de quadros superiores o ganho médio das mulheres correspondia apenas a 70% do ganho médio dos homens.
Mas existiam actividades onde a diferença era ainda maior. Em 2002, na Fabricação de Produtos Metálicos, Máquinas e Equipamentos, por exemplo, a nível de quadros superiores, o ganho médio da mulher correspondia a 67,5% do ganho médio do homem, enquanto a nível de Praticantes e Aprendizes representava já 98% do ganho do homem; nas actividades imobiliárias, estas percentagens eram, respectivamente, de 64,7% e 96,7% do ganho médio do homem.
Em anexo, nos quadros 5 e 6, encontram-se os valores das desigualdades de ganhos entre homens e mulheres em relação a todos os níveis de escolaridade e de qualificação.
Face às desigualdades de remunerações ainda existentes, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens defende:
3.2 O tempo de trabalho e a vida pessoal e familiar
As horas mínimas de trabalho e de descanso foram, inicialmente, regulamentadas no nosso país, e apenas para os menores, através da primeira lei do trabalho portuguesa – o Decreto Régio de 14 de Abril de 1891 – publicada num tempo de verdadeira servidão, em que era “normal” as crianças trabalharem de sol a sol e as mulheres trabalhadoras não disporem de qualquer protecção mínima na gravidez, no parto ou na amamentação.
Mais de um século depois, apesar das mudanças radicais operadas na sociedade e dos progressos registados no Direito do Trabalho, a exploração do trabalho infantil não foi, ainda, totalmente erradicada, a discriminação das mulheres é prática de muitas empresas ditas modernas, os horários de trabalho são longos e, os períodos de descanso, frequentemente, desrespeitados em muitos sectores de actividade.
Ao invés da aplicação dos horários definidos na contratação colectiva e na legislação da Administração Pública, assiste-se, muitas vezes, à imposição de formas de organização e de tempos de trabalho desregulamentados, que constituem uma verdadeira violência para quem trabalha e para as respectivas famílias. Em sectores feminizados, ou naqueles em que cresce a concentração da mão-de-obra feminina, como é o caso do comércio, nos horários praticados, nomeadamente nas grandes superfícies, prevalecem os interesses das empresas, reduzindo-se a margem de disponibilidade das trabalhadoras e comprometendo-se a conciliação da vida profissional com a familiar.
No quadro da UE-15, as mulheres portuguesas são das que trabalham mais horas por semana. Em 1997, de acordo com dados do Eurostat, as portuguesas trabalhavam profissionalmente, em média, 38,4 horas semanais, enquanto a média nos países da UE não ultrapassava as 33,5 horas. Entretanto, as mães portuguesas com idades entre os 20 e os 39 anos, apesar da insuficiência das estruturas de apoio à família, estão claramente à frente das de todos os países da UE, no que se refere à sua presença a tempo inteiro no mundo do trabalho, se bem que adiem, cada vez mais, o nascimento do primeiro filho.
Perante este quadro, surge, em nome da conciliação, a valorização do trabalho a tempo parcial, predominantemente para as mulheres. Se tivermos presente que a emprego parcial corresponde salário parcial, se se atentar aos baixos salários praticados em Portugal, essas mulheres dificilmente conseguiriam assegurar a sua independência económica e a sobrevivência e ver-se-iam condenadas a auferir prestações sociais mínimas no futuro. Mesmo outras formas, ditas modernas, de organização do trabalho - como o trabalho no domicílio ou o teletrabalho - são incentivadas como soluções privilegiadas para permitir a conciliação. Enaltecem-lhes as alegadas virtualidades de uma certa autonomia na relação com o local de trabalho e de flexibilidade na gestão dos horários, omitindo os baixos salários, a débil protecção social, as limitações à progressão na carreira, o isolamento, o regresso à esfera privada, a perpetuação da dupla tarefa e o consequente retrocesso na partilha das responsabilidades e nas mentalidades.
Entretanto, não estão afastados os perigos de a revisão da Directiva comunitária sobre Organização do Tempo de Trabalho vir a incluir alterações que destruiriam o actual conceito de tempo de trabalho, permitindo ainda que, por contrato de trabalho, as empresas pudessem fixar um horário “flexível” até 65 horas semanais, alargando ainda mais a flexibilidade já permitida pelo Código do Trabalho, com consequências gravíssimas para as trabalhadoras.
Perante esta situação, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens defende:
3.3 O ambiente de trabalho e a saúde laboral
Estudos internacionais recentes revelaram que a principal causa das faltas ao trabalho no espaço europeu (UE-15) é o stresse, o qual representa cerca de 50% da totalidade das causas possíveis. Esta percentagem, já de si elevada, peca certamente por defeito, pois, por um lado, o diagnóstico das situações de stresse é normalmente difícil e, por outro, o stresse é a causa remota de muitos e variados acidentes de trabalho como quedas, cortes, impactos, electro-choques, etc.
As situações que podem ocasionar stresse são muito variadas. Num estudo recente às condições de trabalho, desenvolvido no âmbito do projecto Equal-“Agir para a Igualdade” e aplicado em 13 entidades (empresas, câmaras e institutos públicos) que empregavam cerca de 14.500 trabalhadores, ficou bem clara a importância que o público-alvo dá aos factores de stresse.
Embora não abrangendo a totalidade do universo, a amostra analisada foi representativa e as conclusões tiradas são certamente válidas para todo o universo. Assim, no total das 13 empresas referidas, dos inquéritos distribuídos (14 490), foram recolhidos 3 612, o que corresponde a uma taxa de retorno de 25%, tendo sido tratados 2 561 questionários.
Destes, 1 605 (62,7 %) respeitavam a homens e 956 (37,3 %) a mulheres. No caso dos trabalhadores, os sectores de actividade mais representados diziam respeito a actividades industriais e de manutenção, enquanto os das trabalhadoras eram, principalmente, da área de serviços.
Uma das questões do inquérito às condições de trabalho reportava-se aos principais riscos a que o/a trabalhador/a se sentia sujeito/a. Foram apresentados mais de meia centena de factores de risco, divididos por 5 categorias, a saber: micro-clima de trabalho, contaminantes do ambiente, sobrecarga muscular, sobrecarga psíquica (stresse) e factores de insegurança (ligados a acidentes).
De entre a totalidade dos factores de risco apontados, dos 10 mais indicados e reconhecidos como mais importantes, três ligam-se ao stresse: baixo salário (1º lugar); ritmos de trabalho excessivos (4º lugar); não reconhecimento do trabalho pelas chefias (7º lugar).
Já no que se refere à distribuição por género das respostas obtidas para os factores de risco ligados ao stresse, verifica-se que, nas mulheres, têm maior incidência factores como: baixo salário, ritmos de trabalho excessivos, não reconhecimento do trabalho pelas chefias, trabalho monótono e repetitivo, discriminação salarial (ver quadro 7, em anexo).
No gráfico 2, em anexo, é feita a comparação dos níveis de incidência dos factores de risco entre os 2 géneros. Segundo o mesmo, o “baixo salário”, os “ritmos de trabalho excessivo” e o “mau ambiente de trabalho” têm, nas trabalhadoras, um peso mais elevado do que o registado em relação aos homens, o que expressa e confirma as desigualdades a que as mulheres continuam sujeitas, agravando o ambiente de trabalho e contribuindo para a degradação da saúde laboral da trabalhadora e da sua qualidade de vida.
Embora não tenha constituído objecto do estudo referido, a incidência, em determinados sectores, de doenças profissionais como as tendinites, decorrentes de trabalhos monótonos e repetitivos, de ritmos de trabalho excessivos e de inadequação dos equipamentos, merece igualmente referência, na medida em que afecta sobretudo as mulheres, incapacitando muitas jovens para o exercício da actividade profissional e para a execução de tarefas inerentes à vida quotidiana.
Do mesmo modo, o assédio psicológico e, em particular, o assédio sexual no local de trabalho,[18] ao envolver comportamentos indesejados praticados por superior hierárquico, afecta muitas mulheres, sobretudo jovens com vínculo precário, atentando contra a sua dignidade e liberdade e transformando-as em alvo preferencial de quem tem o poder de decidir sobre o seu futuro profissional. Em consequência, ao verem agravado, também, o quadro de insegurança no emprego, elas sofrem no plano emocional, com reflexos negativos na sua saúde física e mental.
Perante esta situação, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens considera necessário:
3.4 O exercício dos direitos de maternidade e paternidade
Em Portugal, verifica-se um baixo índice de aplicação das leis, realidade particularmente visível no que se refere às normas que garantem protecção à maternidade e à paternidade.
E se é verdadeiro que existe, ainda, um significativo desconhecimento da existência de muitas dessas normas – a que não é alheio o crescimento da precariedade e da mobilidade no emprego das e dos trabalhadores mais jovens – a sua não efectivação decorre, no essencial, dos entraves colocados pelas entidades empregadoras que, com frequência, penalizam, ilegalmente, o exercício dos direitos.
De acordo com um estudo realizado pela Comissão Nacional de Mulheres da CGTP-IN, a partir de um inquérito aplicado a trabalhadoras de empresas de 13 sectores de actividade em 12 distritos, as violações da lei incidem, predominantemente, sobre situações de: não exercício do direito a dispensa para consultas pré-natais e de preparação para o parto (25%); injustificação, não remuneração ou desconto nos prémios de assiduidade ou produção do tempo despendido nestas consultas (28%); não exercício ou efectivação com limitações do direito à amamentação ou à aleitação (24%). Mesmo no que se refere à licença por maternidade, 9,3% das trabalhadoras inquiridas mencionaram a existência de obstáculos ao seu exercício, ocorrendo situações de discriminação salarial, por via da não actualização dos salários, na sequência da licença por maternidade. Quanto à licença especial para assistência a filhos menores de 10 anos, 47% não usufruiu do direito, sendo 19% as que não exerceram ou então utilizaram com limitações o direito a faltar para assistência inadiável e imprescindível a membros do agregado familiar, em caso de doença ou acidente – matérias em que se relativizou o resultado, de modo a que a falta de necessidade não afectasse as percentagens referidas.
Na generalidade dos casos, o vínculo precário e o receio de represálias por parte das entidades empregadoras, a par da dificuldade de conciliar horários nas situações de amamentação ou aleitação, foram as razões apontadas para a não efectivação plena dos direitos, em todos sectores, se bem que com maior incidência no comércio, nos serviços, no calçado e na saúde. No ensino, as professoras com contrato a termo, quando em licença por maternidade, vêem cessar o pagamento da sua retribuição, logo que caduca o respectivo contrato.
O despedimento de trabalhadoras grávidas com contrato a termo, através do recurso à figura da caducidade do contrato, é prática recorrente de muitos empregadores, com expressão no sector privado mas também na Administração Pública, desprezando o valor social da maternidade e o direito elementar ao emprego, condenando essas mulheres à dependência económica e, assim, contribuindo, também, para acentuar a quebra das taxas de natalidade.
A larga maioria das queixas recebidas na CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) assentam em discriminações, directa ou indirectamente, fundadas na maternidade. Entretanto, alguns pais, por vezes, também vêem limitado o exercício de direitos, como a licença de paternidade de 5 dias ou os primeiros 15 dias, remunerados, da licença parental.
De acordo com dados do INE, Perfil Género, o exercício da licença por paternidade de 5 dias passou de 751 beneficiários em 1993 para 40 577 em 2003, enquanto a licença parental (apenas remunerada nos primeiros 15 dias, se o beneficiário for o pai) passou de 146 beneficiários em 2000 (o direito só foi instituído em 2000) para 27 384, em 2003.
No entanto, no âmbito de um estudo recente,[19] aplicado em 14 sectores de actividade a mães e pais com crianças até 3 anos, através do método de entrevista e inquérito, apurou-se que nenhum pai tinha exercido o direito à aleitação. O que determina que, na representação das pessoas, o direito acaba por ser em exclusivo das mulheres, recaindo predominantemente sobre elas os custos da reprodução.
Neste quadro, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens reclama:
4. Direito à Saúde – Uma Perspectiva de Género
4.1 A doença e a política de saúde
Quanto à situação da saúde em geral, no nosso país, importa ver alguns dados. Em 2001, a taxa de mortalidade era de 10,2 por mil, sendo 11 por mil para os homens e 9,4 por mil para as mulheres, o que demonstra que as mulheres continuam, como nas últimas décadas, a manter uma maior esperança de vida. Mas importa ver os indicadores da saúde nalgumas patologias que concorrem para causas de morte. Mais de metade dos óbitos ocorridos em Portugal, em 2001, resultaram, como tem acontecido nas últimas décadas, dos dois grupos de causa de morte: doenças do aparelho circulatório, em primeiro lugar, e tumores malignos, em segundo. Enquanto houve um decréscimo de 1% face a 2000 em relação à primeira causa, já em relação à segunda houve um acréscimo de 2%, ou seja, em 2001, os óbitos motivados por doenças do aparelho circulatório atingiram 55% indivíduos do sexo feminino, enquanto 59% por tumores malignos respeitaram a indivíduos do sexo masculino. As doenças do aparelho circulatório foram as que para mais óbitos contribuíram, sendo 40.743, e destes 18.465 homens e 22.278 mulheres, respectivamente. As doenças cérebro-vasculares são as que causam mais óbitos no nosso país, verificando-se que as mulheres estão em considerável desvantagem em relação aos homens, aliás, como em relação a todas as doenças do aparelho circulatório. Em 2001, 11.608 mulheres e 8.829 homens faleceram com esta causa. Se recuarmos 10 anos, verificamos que houve uma evolução, uma vez que, à altura, se registaram 13.989 e 11.067 óbitos, respectivamente, com idêntica causa. Também as doenças hipertensivas e dos diabetes atingiram mais mulheres do que homens. Quanto ao enfarte agudo do miocárdio, a situação não é tão grave como as doenças cérebro-vasculares, mas causaram 3.740 mortos em homens e 2.705 em mulheres, em 2001. Quanto aos tumores, como já referimos, é a segunda causa de morte, estando os homens em clara desvantagem em relação às mulheres: em 2001, faleceram 22.407 pessoas, tendo sido 13.137 homens e 9.270 mulheres. Em relação aos tumores malignos, a desvantagem também recai sobre os homens: em 2001, faleceram 270 mulheres com tumor maligno no cólon do útero, enquanto o tumor maligno da mama é o que mais consequências traz à mulher, tendo falecido, em 2001, 1653 pessoas. Dando-se, por vezes menor importância ao tumor maligno do cólon, a verdade é que causou 1001 mortes nas mulheres e 1217 nos homens. O tumor do pulmão, traqueia e dos brônquios é dos mais mortíferos para os homens, com 2.361 óbitos e 503 nas mulheres, assim como outro tipo de tumores. Um dos problemas mais graves da saúde em Portugal tem a ver com a SIDA: em 2001, foram diagnosticados, em Portugal, 616 casos de SIDA; entre 1983 e meados de 2001, constatou-se a existência de 8 710 casos diagnosticados, dos quais 84% incidiram em homens. Cerca de 60% dos casos registados incidiram em indivíduos entre os 25 e 39 anos e 37% dos casos incidiram no escalão etário 25-29 anos.
A taxa de incidência da SIDA em Portugal, em 2001, era de 105,8 casos por milhão de habitantes; na U.E., a taxa de incidência foi nesse ano de 21,8 casos por milhão de habitantes, o que significa que a taxa de incidência em Portugal é 5 vezes superior à média europeia. Por outro lado, verifica-se que Portugal é o único país da U.E. em que a taxa de incidência de SIDA aumentou entre 2000 e 2001 e, contrariamente ao que sucedeu nos restantes países europeus, em Portugal não se registou uma diminuição da incidência ao longo dos últimos anos (ver gráfico 3, em anexo).
Os dados demonstram que há muito a fazer em relação à prevenção no nosso país, o combate às doenças tem de ser feito essencialmente por esta via. As políticas de saúde seguidas dão sintomas de se incrementar a medicina curativa em desfavor desta. As doenças do aparelho circulatório deviam ser uma das principais preocupações, dado serem as que mais contribuem para a morte ou incapacidades na população. Os hábitos alimentares e os estilos de vida concorrem muito para estas situações. É fundamental que no nosso país se incremente, duma forma decisiva, a educação para a saúde, para que haja modos de vida mais saudáveis. Os cuidados de saúde primários não estão a desempenhar totalmente o seu papel, dado que a saúde pública continua a não merecer a atenção dos poderes políticos que lhe é devida, não houve avanços a este nível, tendo-se mesmo agravado a situação, existindo, hoje, grave carência de profissionais de saúde. Para alterar o quadro existente, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens exige:
4.2. O acesso aos cuidados de saúde materno-infantil
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi uma grande conquista social e representou um dos instrumentos importantes para diminuir as desigualdades e promover a justiça social e tem sido um factor fundamental para impulsionar o desenvolvimento da sociedade. É importante reter que muitos dos aspectos instrumentais do SNS nunca foram concretizados e outros não foram operacionalizados, em resultado das políticas exercidas pelos Governos do PSD/PP e do PS. Mas, apesar da ofensiva e das dificuldades criadas, o SNS tem revelado potencialidades e capacidades capazes de responder às necessidades fundamentais dos cidadãos e das cidadãs. Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2004, Portugal, de acordo com dados de 2002, tem uma taxa de mortalidade infantil de 5 por 1000, encontrando-se entre os países com mais baixa taxa de mortalidade infantil, o mesmo se passa com a taxa de mortalidade de menores de cinco anos em que são 6 para 1000, quando em 1970 tínhamos 62 para 1000. Nas últimas décadas, pelo facto de termos um serviço público de saúde universal, houve um grande progresso a nível dos indicadores de saúde, nomeadamente na saúde materno-infantil, como se pode verificar uma vez mais em relação à taxa de mortalidade materna. Estamos entre os países com melhores indicadores de saúde: por cada 100.000 nados vivos, em 2000, morreram 5 mulheres. Para este facto, contribuiu decisivamente o facto de os partos assistidos por técnicos de saúde corresponderem praticamente à totalidade, assim como a prestação de outros cuidados de saúde. Segundo as estatísticas de saúde de 2001, 111,680 partos foram assistidos em estabelecimentos de saúde com internamento, e no serviço nacional de saúde foram a esmagadora maioria de 104.459. Os dados dos últimos anos demonstram que houve uma grande evolução no número de consultas efectuadas nos hospitais e nos centros de saúde por especialidade e o número de consultas nas especialidades tipicamente femininas acompanharam essa evolução (ver quadros 8, 9 e 10, em anexo) . Constata-se crescimentos menos acentuados do número de consultas em algumas especialidades dirigidas às mulheres e crianças, face ao total, sobretudo no período 1999-2001: a ginecologia, a saúde infantil e juvenil/pediatria, o planeamento familiar e saúde materna. Sobretudo nos Centros de Saúde, verifica-se uma quebra acentuada no número de consultas ao longo dos anos 90: o número de consultas de ginecologia passou de 114 mil em 1990 para 67 mil em 1995 e para apenas 49 mil em 2001. Enquanto entre 1995 e 2001, o número de consultas nos hospitais aumentou 11,3%, contra 20,9% para o total de consultas. Mas foi sobretudo nos Centros de Saúde que se verificou um menor crescimento destas consultas face ao total: entre 1990 e 1995 o número de consultas de saúde infantil e juvenil/pediatria diminuiu 1,3% (contra um crescimento de 4,5% no total das especialidades) e entre 1995 e 2001 aumentou 15,3% (contra um crescimento de 24,9% no total das especialidades). Também entre 1990 e 1995, a evolução de consultas de planeamento familiar foi bem menos acentuada (19,5% contra 24,5% para o total de consultas), ao contrário do que sucedeu no período entre 1990 e 1995 (29,7% contra 4,5% para o total). Quanto às consultas maternas nos Centros de Saúde, entre 1999 e 2001, aumentaram apenas 9,7%, contra um crescimento de 16,5% no total das especialidades. Sublinha-se a importância das consultas dirigidas às mulheres e crianças no total das consultas, tanto nos hospitais como nos centros de saúde. Nos hospitais, em 2001, as especialidades de obstetrícia, ginecologia e pediatria concentravam cerca de 1,2 milhões de consultas (12% do total); nos centros de saúde as especialidades dirigidas às mulheres concentravam cerca de 4,2 milhões de consultas (14% do total). Estima-se que, grosso modo, cerca de 60% das consultas nos hospitais e nos centros de saúde são destinadas às mulheres. Estes dados são demonstrativos das orientações políticas seguidas na saúde pelos diversos governos, que têm desvalorizado os centros de saúde, o que a CGTP-IN tem denunciado, apresentando, ainda, reivindicações para inverter a situação. É um facto que as consultas de especialidade têm vindo a ser banidas dos centros de saúde e a ser concentradas nos Hospitais. Porém, os Centros de Saúde têm uma maior proximidade com as cidadãs e cidadãos. Neste contexto, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens exige:
4.3 A educação sexual e o planeamento familiar
Portugal é o segundo país da UE15 com taxas mais elevadas de gravidez na adolescência e uma forte incidência de aborto clandestino nestas faixas etárias, assim como de doenças sexualmente transmissíveis, o que constituem graves problemas na sociedade. Na idade adulta, a natalidade está a baixar dramaticamente. Em 2001, para cerca de 3,8% dos nascimentos, as parturientes tinham idades iguais ou inferiores a 18 anos, se bem que esta taxa de incidência tenha melhorado um pouco entre 1991 e 2001 (ver quadro 11, em anexo).
Ainda que se verifiquem insuficiências no que respeita à disponibilidade de actividades de planeamento familiar por parte dos centros de saúde, a verdade é que, ao longo da última década, se verificou um maior crescimento destas consultas face ao conjunto das consultas nos centros de saúde. De facto, entre 1990 e 2001, as consultas de planeamento familiar aumentaram 55% (de 476 mil para 739 mil), enquanto o total das consultas dos centros de saúde aumentaram cerca de 31% (de 21,2 milhões em 1990 para 27,7 milhões em 2001).
Mas o problema de fundo é a educação sexual, nomeadamente no contexto escolar. Só em 1984 é que a Assembleia da República aprovou a primeira lei de educação sexual (3/84) em que previa que o Estado garantisse educação sexual nas escolas através dos programas escolares, de acordo com os diferentes níveis de ensino. A lei era clara quanto à formação inicial dos professores. Em 2000, é aprovada legislação que introduz preceitos inovadores que abrangem toda a escolaridade, tendo-se desenvolvido importantes instrumentos de trabalho para as escolas e para os professores e realizado experiências positivas, se bem que ainda bastante insuficientes, havendo o compromisso de, até ao ano 2003, 90% da população escolar ter informação e formação em educação escolar. Com o Governo PSD/PP, houve claramente uma estratégia para subverter o que estava a ser realizado, através de campanhas de intoxicação, introduzindo critérios moralistas e hipócritas. Neste quadro, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens considera indispensável:
4.4 O aborto clandestino
A lei penal portuguesa trata as mulheres que recorrem à interrupção voluntária da gravidez (IVG) como criminosas, sendo, por isso, uma das mais retrógradas legislações penais da Europa.
Em resultado, as mulheres que abortam são perseguidas e vêem a sua intimidade exposta na praça pública e nos bancos dos tribunais, crescendo, nos últimos anos, de governação PSD/PP, o número de pessoas acusadas de crime de aborto nos registos das forças policiais, enquanto se sucedem oportunidades perdidas para pôr fim a este flagelo.
Nos últimos 7 anos, mais de 9 000 mulheres portuguesas interromperam a gravidez em clínicas privadas espanholas, estimando-se em mais de duas dezenas de milhar o número de abortos efectuados anualmente em Portugal, muitos deles em jovens entre os 15 e os 19 anos.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), Portugal regista mesmo a mais elevada taxa de abortos, da UE15.
No que se refere a interrupções voluntárias da gravidez efectuadas legalmente nos hospitais, foram registadas 675 em 2001. Destas, o maior número – 396 - foi efectuado na região Norte, sendo 137 na Região de Lisboa e Vale do Tejo, não se registando nenhuma interrupção efectuada legalmente nos Açores. Já em relação aos óbitos por causa de morte por aborto foram assinalados 4, o que demonstra que, certamente, estamos longe da transparência que é exigida nos registos da saúde.
Para a CGTP-IN, urge aprofundar as concepções e valores inscritos na Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos; assegurar a protecção da saúde reprodutiva das mulheres e o acesso gratuito à contracepção, despenalizar o aborto.
A despenalização do aborto é, aliás, uma reivindicação que a CGTP-UN persegue desde o seu primeiro Congresso. Matéria sobre a qual o Parlamento Europeu, em Julho de 2002, tomou posição, recomendando aos Estados–membros e aos países candidatos que, a fim de salvaguardar a saúde reprodutiva e os direitos das mulheres, a interrupção voluntária da gravidez fosse legal, segura e universalmente acessível.
Neste quadro, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens considera imperativo:
5. Protecção Social para Garantir a Igualdade
5.1 A maternidade e a paternidade – direitos e prestações sociais
A protecção social da maternidade e da paternidade tem acompanhado a evolução da vida social e familiar e das mentalidades, em muito, resultado da acção da CGTP-IN, dos movimentos de mulheres e dos partidos de esquerda. Fruto da Revolução de Abril, é em 1976 que, pela primeira vez, a protecção da maternidade faz parte integrante do regime de previdência social, a licença passa a ser de 90 dias e o subsídio igual ao salário médio. Até então, apenas eram assegurados 60 dias de faltas, pelo regime do contrato individual do trabalho, após 1 ano de serviço, e o subsídio pago pela entidade patronal era correspondente a 50% da remuneração. Com a revisão da Constituição da República, em 1982, é consagrado que tanto a maternidade como a paternidade constituem valores sociais eminentes (e não só a maternidade), o que representou um reforço explícito do papel do homem na família. Com a Lei 4/84, abre-se um novo ciclo, que representou um marco na protecção da maternidade/paternidade, dando a possibilidade ao pai de, em determinadas situações, gozar a licença de paternidade, sendo a prestação de 100% da remuneração de referência. No entanto, a consagração do papel paterno tem sido bastante lenta na nossa sociedade, o que também se veio a reflectir na protecção social. No que se refere ao subsistema previdencial, vimos concretizada a plena igualdade de direitos: na licença de adopção; no direito de faltar para assistência de menores, doentes ou portadores de deficiência e no subsídio para assistência a deficientes profundos e doentes crónicos. Com a alteração da Lei 4/84, em 1999, os pais viram consagrado, no regime de segurança social, o direito a uma licença por paternidade de cinco dias úteis, que têm de ser gozados no primeiro mês a seguir ao nascimento da criança. Nessa mesma alteração, as mulheres viram, também, consagrada uma licença no âmbito da segurança social, em caso de aborto, entre 14 e 30 dias. Em 2000, com nova alteração da lei 4/84, foram consagrados mais dois direitos no regime de segurança social: a licença parental, que confere só ao pai o direito à remuneração dos primeiros 15 dias da licença, a serem gozados a seguir à licença por maternidade ou por paternidade; o subsídio por faltas especiais dos avós, quando os netos são filhos de menores de 16 anos, desde que vivam em comunhão de mesa e habitação. Quanto à licença de maternidade/paternidade, em resultado da acção reivindicativa, deu-se, também, uma evolução nestes últimos 29 ano: a licença passou de 90 dias para 120 dias e, por opção, de acordo com a legislação laboral de 2004, a trabalhadora poderá ter uma licença de 150 dias, mas o subsídio de maternidade que está a ser pago nestes 30 dias é de 80% da remuneração de referência, o que penaliza, essencialmente, as trabalhadoras de mais baixas remunerações. O PSD/PP, ao dar, no Código do Trabalho, este carácter optativo ao direito, visou, claramente, não universalizar a licença dos 150 dias, favorecendo assim as trabalhadoras com rendimentos mais elevados, dado que o cálculo é feito sobre a remuneração de referência ilíquida. Neste caso, os homens só poderão exercer este direito se já estiverem a exercer a licença por paternidade. Para além das prestações do regime contributivo, também o regime não contributivo da Segurança Social (subsistema de solidariedade) insere, no Rendimento Social de Inserção (RSI), uma prestação de apoio à maternidade. Em caso de gravidez, a titular, cônjuge ou pessoa que viva em união de facto, vê o montante da prestação do RSI ser acrescido em 30%, durante todo o período de gravidez, e em 50%, durante o primeiro ano de vida da criança. Há a registar, ainda, na protecção da maternidade, no subsistema previdencial, a existência do subsídio por riscos específicos, que foi criado em 1996, e tem como objectivo proteger a saúde e segurança das beneficiárias grávidas, púerperas e lactantes contra riscos, como por exemplo, prestação trabalho nocturno e exposição a agentes. Em 2003, esta prestação só foi processada a 18 trabalhadoras do regime da segurança social. Também as profissionais de espectáculo têm um regime próprio que as protege na gravidez desde que o exercício da sua actividade ponha em risco o desenvolvimento normal da gestação. A Segurança Social, por força das reivindicações e dos desenvolvimentos registados a nível internacional, tem vindo a evoluir em relação às prestações sociais. Mas, importa ver como têm sido exercidos esses direitos. Em 2003, foram processados 79.981 subsídios de maternidade, mas se formos verificar as licenças parentais que foram processadas, ficam ainda aquém dos nascimentos havidos, pois só 27.517 homens trabalhadores exerceram este direito, enquanto o subsídio de paternidade foi requerido por 46.085. Estes dados demonstram que os pais ainda não usam plenamente estes direitos, importa pois reflectir sobre as causas desta situação e como agir para inverter a realidade. Na conciliação do trabalho com a vida familiar, o recurso às prestações sociais (ver quadro 12, em anexo) demonstra-nos que continuam a ser maioritariamente as mulheres que usam as licenças para assistência a menores (33.190 mulheres e 1.700 homens), assim como a dispensa para a assistência a deficientes profundos ou doentes crónicos (8629 mulheres e 26 homens). Existe, assim, uma forte disparidade no exercício destes direitos, o que confina essencialmente a mulher ao apoio à família. É um facto que os direitos sociais da maternidade/paternidade têm vindo a evoluir, mas, há necessidade de dar resposta a lacunas que existem no plano social e melhorar o nível de algumas prestações sociais. É o caso: da gravidez de risco; das trabalhadoras e trabalhadores desempregados sem qualquer protecção social; do montante mínimo do subsídio de maternidade/paternidade. A Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens, tendo como objectivo elevar os níveis de protecção social, reivindica:
5.2 Os equipamentos e os serviços sociais
Um dos problemas graves que as famílias enfrentam é a escassez de equipamentos e serviços sociais de apoio, de qualidade e a preço acessível. Tal facto, pode ter um impacto negativo no emprego, podendo mesmo impedir ou condicionar a actividade económica das pessoas que prestam cuidados a pessoas dependentes (como crianças, portadores de deficiência ou idosos). Esse impacto pode ser mais penalizador para a mulher, atendendo a que é a mulher quem, na família, presta a maioria destes cuidados, por razões de carácter essencialmente cultural.
A observação comum mostra esta realidade. As estatísticas disponíveis confirmam-na. O inquérito à ocupação do tempo mostra as grandes disparidades existentes entre os sexos na prestação de cuidados à família, crianças e adultos dependentes (ver gráfico 4, em anexo).
Esta situação tem implicações, impedindo que muitas mulheres possam trabalhar por motivos de conciliação familiar. Estatísticas produzidas pelo Eurostat mostram que o número de mulheres excluídas por motivos de conciliação familiar (abarcando razões como o casamento, filhos ou prestação de cuidados a outras pessoas) mas que estão disponíveis e interessadas em regressar ao trabalho, oscilou entre 85 mil e perto de 100 mil entre 1995 e 2001.
Quanto ao grau de cobertura dos vários tipos de equipamentos e de serviços públicos de apoio à família, não se dispõe de uma informação detalhada. As duas áreas cruciais são as crianças e os idosos dependentes.
Quanto às crianças, os aspectos essenciais respeitam à educação pré-escolar e aos equipamentos de guarda das crianças. Houve progressos nos últimos anos, no desenvolvimento da rede pré-escolar. Mas nem todas as crianças são abrangidas, embora seja crescente a taxa de pré-escolarização bruta: esta passou de 53,5% em 1991/92 para 59,7% em 1997/98 e 76% em 2000/2001. O Plano Nacional de Emprego aponta como objectivo que a rede social deste ensino atinja uma cobertura de 90% em 2010. Em 2002, essa cobertura era, segundo os dados oficiais de 70,6%, nos 3-4 anos, e de 90,4% nos 5 anos. São precisos avanços na generalização do acesso com vista a alcançar a universalidade; na transparência em relação à gratuitidade da componente educativa que está consagrada na Lei-quadro da Educação Pré-escolar; na qualidade; e no aumento da oferta da rede pública, dado que esta não tem crescido, a favor do sector privado, o que evidencia a desresponsabilização do Estado por esta componente do sistema educativo e que é essencial para o desenvolvimento das crianças e o combate às desigualdades. Um ponto que exige reflexão com vista a serem superados problemas é o dos horários de funcionamento dos equipamentos, que, em muitos casos, encerram antes do termo dos horários de trabalho dos pais das crianças, criando graves problemas de articulação entre vida profissional e os cuidados das crianças. O trabalho por turnos associado a um número significativo de famílias monoparentais exige que seja repensado o apoio fora do horário de funcionamento das creches e jardins-de-infância. Um segundo aspecto, respeita à cobertura dos equipamentos de guarda das crianças, que é ainda insuficiente. Em Portugal, a cobertura dos serviços de cuidado a crianças dos 0-3 anos era de 21,5% em 2003, estando distante da meta comunitária, que aponta para, pelo menos, 33% até 2010. Por outro lado, os custos elevados destes serviços - dado que a rede pública em resultado das políticas governamentais seguidas é muito insuficiente - obrigam as famílias a recorrerem a creches privadas, muito onerosas. A falta de apoios à infância e à juventude constitui, ainda, um sério travão ao aumento da natalidade no nosso País. Em relação aos idosos, são conhecidos os problemas existentes: a escassez de equipamentos de apoio, elevados custos suportados pelos utentes, falta de qualidade, em muitos casos. A política de segurança social, na área da acção social, é, em boa parte, responsável pela degradação da situação: os Governos deixaram de investir nesta área, privilegiando o financiamento das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS); a parte da segurança social (estabelecimentos integrados) tem declinado. As IPSS têm, muitas das vezes, uma acção meritória, que deve ser desenvolvida e apoiada pelos poderes públicos. Mas isso não é incompatível com uma maior oferta dos estabelecimentos de segurança social, sobretudo num quadro de falta de equipamentos sociais e num contexto em que as necessidades se irão agravar, em resultado do envelhecimento da população e do crescimento previsto do número de idosas e idosos dependentes.
Neste contexto, e com vista a melhorar os apoios às famílias, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens reclama:
5.3 A pobreza e o rendimento mínimo - as vulnerabilidades femininas
As mulheres são mais vulneráveis aos riscos da pobreza e da exclusão social. Os principais factores explicativos são a menor participação feminina na actividade económica e a posição de maior fragilidade da mulher no mercado de trabalho. Há, ainda, outros factores que têm relevância, como os relativos às mudanças em curso nas estruturas familiares.
A participação das mulheres na actividade económica é menor que a dos homens. As mulheres activas são em menor número, há um número substancial de mulheres domésticas (cerca de 850 mil, em 2001) e é mais elevada a proporção das mulheres reformadas, o que está associado a uma maior longevidade. Mas esta é uma realidade em mutação. A população doméstica feminina tem-se reduzido rapidamente e tem aumentado a participação das mulheres na actividade económica – a diferença entre as taxas de actividade masculina e feminina tem-se reduzido, passando de 15,3 pontos percentuais em 1993 para 11 pontos percentuais em 2003.
Mas se são inegáveis os progressos na participação da mulher no mercado de trabalho, está-se longe do objectivo da igualdade no trabalho. A inserção feminina no emprego continua débil: a taxa de desemprego feminina é mais elevada que a dos homens; as mulheres estão, regra geral, concentradas em sectores de baixos salários e em profissões de baixas qualificações (alguma chamadas de ‘femininas’); a precarização de emprego é mais acentuada e é mais alta a proporção de mulheres em emprego a tempo parcial. Esta situação no emprego a não ser invertida continuará a ter consequências na protecção social, nomeadamente a nível das pensões por velhice.
A conjugação destes dois factores (menor participação na actividade económica e posição mais frágil no emprego) determina uma maior vulnerabilidade à pobreza: um elevado número de mulheres ocupa emprego em sectores de baixos salários como os têxteis, vestuário e calçado, o comércio a retalho, os serviços sociais e os restaurantes e hotéis; a proporção de mulheres abrangida pelo rendimento mínimo (ou de inserção) é mais alta que a dos homens - no 1º semestre de 2004, representavam 69,4% dos beneficiários titulares com a prestação deferida e não cessada; o nível das pensões é também mais baixo nas mulheres.
Os mais baixos salários e uma menor duração das carreiras contributivas são os factores que mais condicionam os montantes das pensões das mulheres. A duração média da carreira contributiva, no regime geral e no regime especial dos agrícolas, é ainda curta – de 17 anos, quer na velhice quer na invalidez – ainda que tenda a aumentar. Assim, os pensionistas que iniciaram a pensão em 2003 apresentam uma duração média substancialmente superior: 27 anos na velhice (31 anos, no caso dos homens) e 19 anos na invalidez. Porém, as mulheres têm uma posição mais desfavorável, com carreiras contributivas significativamente inferiores às dos homens (ver quadros 13 e 14, em anexo).
A situação de dependência é particularmente grave para as mulheres portadoras de incapacidade ou de deficiência física (a maioria da população afectada são mulheres[20]), ao ser-lhes negada a igualdade de oportunidades em diversos domínios, nomeadamente, no acesso ao emprego, e, por consequência, as condições de integração no plano económico e social.
As mulheres são, ainda, as mais vulneráveis às mudanças em curso no âmbito da família: aumento dos divórcios, das famílias isoladas e das famílias monoparentais[21]. Estes factores não determinam por si só um maior risco de pobreza. Mas isso acontece quando se conjugam com uma posição mais frágil da mulher no mercado de trabalho e com o facto de ser esta que, em regra, fica com a responsabilidade dos filhos, no caso das rupturas familiares. A lei protege a família, através da instituição da prestação de alimentos. Na prática, porém, há problemas, particularmente decorrentes das causas das rupturas mais traumáticas, que levam a que, muitas das vezes, a mulher não recorra a esta prestação.
O risco de pobreza pode ser maior nestas famílias, como mostram os dados do rendimento mínimo garantido. Atente-se à sobrerepresentação das famílias monoparentais femininas – 21,9 % de famílias monoparentais femininas contra 1,4% de famílias monoparentais masculinas -, no conjunto das famílias que recebem este rendimento (ver quadro 15, em anexo).
Perante este quadro, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens considera indispensável:
6. Organização e Formação para a Participação Equilibrada
6.1 A organização sindical específica – reforço da unidade e da coesão na acção
Realizada em Abril de 1992, a III Conferência Sindical sobre “As Mulheres Trabalhadoras” decorreu sob o lema: Igualdade, Dimensão Essencial da Democracia. Esta iniciativa representou, à data da sua realização, um passo muito importante na reflexão, discussão e definição de estratégias para a luta das mulheres no quadro da acção sindical em geral e, de forma muito directa e específica, para a organização e intervenção das mulheres na resolução de problemas concretos, tanto a nível da acção reivindicativa como na sua organização interna nas estruturas sindicais.
O tema da Conferência excedeu o âmbito sindical e laboral, no que concerne à discussão da questão da igualdade enquanto dimensão essencial da democracia, dando-lhe um cariz político, que contribuiu para o debate mais alargado na sociedade, tendo repercussões no plano institucional, nomeadamente, na revisão da Constituição em 1997 a qual consagrou, como tarefa fundamental do Estado, a promoção da igualdade entre mulheres e homens.
As conclusões e orientações saídas da Conferência foram um instrumento fundamental para a organização das mulheres nas estruturas sindicais, tendo permitido uma mais clara definição de objectivos para cada sindicato, federação ou união. Entre esses objectivos, cita-se a criação de comissões ou departamentos de mulheres e a sua dinamização para a acção concreta na resolução dos seus problemas específicos, assim como o aumento da representatividade das mulheres nas comissões negociadoras sindicais e nos órgãos de decisão das estruturas sindicais.
A evolução desde a data da Conferência (1992) até à realização do 10º Congresso da CGTP-IN (2004) não foi nem constante nem linear, marcando avanços e recuos decorrentes das mutações da própria situação político-social, que tiveram fortes repercussões no mundo do trabalho, afectando as organizações representativas dos/as trabalhadores/as. O balanço realizado em finais de 2003, a partir de 107 respostas a um questionário elaborado no âmbito dos trabalhos preparatórios do 10º. Congresso da CGTP-IN, dava-nos conta da existência de 18 comissões ou departamentos de mulheres nos sindicatos; 7 em Uniões; e 2 em Federações. Sobre a representatividade nas comissões negociadoras ao nível da estrutura sindical, num total de 315 elementos, as mulheres representam 62%. Quanto à existência de frentes de trabalho ou departamentos nos sindicatos, uniões e federações, num total de 546, cerca de 28,6% são coordenados por mulheres.
Esta realidade mostra-nos que muitas das propostas da Resolução aprovada na III Conferência não foram concretizadas e, passados 13 anos, constatamos que muitas delas mantêm a sua actualidade, o que nos adverte para a necessidade de aprofundamento da discussão e tomada de medidas concretas.
Foi neste sentido que o 10º. Congresso da CGTP-IN decidiu a criação da Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens, em substituição da Comissão Nacional de Mulheres, que existia desde o V Congresso, realizado em 1986. Esta decisão marca uma nova etapa na organização sindical específica para a promoção da igualdade entre mulheres e homens, dando lugar a uma estrutura representativa com direito de representatividade nos congressos da Central Sindical, bem como a estar presente nos plenários de sindicatos ou no Conselho Nacional, sempre que para tal for convidada.
A realização da IV Conferência representa, assim, o ponto de partida para dar expressão real e concreta à nova Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens que, em estreita articulação com os órgãos da CGTP-IN, desenvolverá as orientações estabelecidas no presente Plano de Acção, com vista ao combate às desigualdades, às discriminações e à promoção da igualdade.
Neste sentido, e em ordem ao reforço da unidade e da coesão na acção, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens define as seguintes orientações:
6.2 A formação para a igualdade – uma questão de democracia e de consciência cívica
As mudanças no mundo do trabalho, na organização do trabalho e das empresas e organizações, nas formas de trabalho e na contratualização, bem como os fenómenos negativos da globalização económica, não fizeram parar e continuarão a mobilizar os quadros sindicais, que necessitam de conhecer e compreender as causas destes fenómenos para melhor defenderem os valores do sindicalismo e os direitos dos/as trabalhadores/as face às novas condições económicas e às suas repercussões no âmbito político e social.
Contribuir para qualificar os quadros sindicais, pela actualização de conhecimentos ou pela formação inicial e, por via disso, qualificar a acção sindical da CGTP-IN é o objectivo estratégico da formação sindical.
A CGTP-IN, através do Departamento de Formação Sindical com o impulso da Comissão Nacional de Mulheres, integrou, no seu sistema de formação modelar, a temática da igualdade de género (entendida como a igualdade entre mulheres e homens na perspectiva da sua representação cultural na sociedade e os papéis sociais, feminino e masculino, que cada um/a desempenha), há cerca de quatro anos. Desde então, tem-se desenvolvido, a nível nacional, um conjunto de acções de sensibilização direccionadas para dirigentes e activistas sindicais.
A formação realizada permitiu fornecer aos e às dirigentes e activistas sindicais conceitos básicos sobre a igualdade de género e igualdade de oportunidades, dando lugar a uma melhor compreensão sobre a estrutura das mentalidades existentes e o conhecimento das ferramentas técnico-jurídicas capazes de operacionalizar planos para a implementação de boas práticas nos locais de trabalho, ou seja a aplicação de medidas que visem combater a discriminação e promover a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens nas empresas e serviços.
Para a definição desta estratégia, contribuiu a acção desenvolvida pela CGTP-IN, através dos projectos (Now/Luna e Equal/Agir para a Igualdade) na área da igualdade de oportunidades, elaborando uma prática ao nível das empresas e organizações que passa pelo diagnóstico dos problemas, a construção do diálogo sustentado e de propostas concretas que eliminem barreiras de discriminação, nomeadamente, no acesso à carreira ou à igualdade de retribuição no desempenho de funções idênticas, entre outras.
Ainda no âmbito do projecto Equal, desenvolveram-se acções de formação em igualdade de oportunidades para as/os dirigentes sindicais formadores, o que permitiu maior envolvimento destes/as nas questões da igualdade e sua sensibilização para a necessidade de alterar atitudes e comportamentos estereotipados, adquirindo as competências necessárias para dar formação nesta área.
Apesar dos avanços verificados, o impacto da formação tem sido mais visível ao nível da acção concreta, ou seja no plano da unidade na acção, constatando-se noutros domínios algumas dificuldades na assimilação da perspectiva de género. Dito por outras palavras, na interiorização de que promover a igualdade entre mulheres e homens tem de levar à alteração de procedimentos na vida sindical, como por exemplo, dar visibilidade às mulheres nas diversas áreas sindicais onde actuam, assim, como na adopção de uma linguagem que reflicta essa visibilidade.
Assim, falar em formação para a igualdade de género é querer ultrapassar os constrangimentos mentais e linguísticos que herdámos na nossa cultura, na educação que tivémos e nas tradições familiares a que pertencemos e que persistem no nosso viver social e nas práticas sindicais quotidianas. A formação sindical deve reflectir sobre esta realidade e integrar um sistema modelar mais amplo, de modo a eliminar barreiras e constrangimentos existentes no movimento sindical, acerca desta temática.
Tornar coerente o discurso da igualdade com a prática democrática da igualdade de facto dentro das estruturas sindicais e cimentar uma consciência cívica na qual mulheres e homens se revejam como agentes de mudança no mundo laboral e de influência na sociedade em geral é tarefa fundamental de todo o movimento sindical e da formação em particular.
Neste sentido, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens considera que a formação sindical para a igualdade deverá contemplar:
6.3 A participação na vida sindical e na sociedade - um direito de cidadania, um dever de intervir
A participação activa e directa dos cidadãos e cidadãs na vida política e social é um dos pilares fundamentais do nosso sistema democrático, consagrado no Artigo 109.º da Constituição. Neste artigo, inscreve-se também como dever da lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso aos cargos políticos.
Na base deste artigo constitucional, toda a legislação, todas as práticas e procedimentos políticos, económicos, sociais e culturais deverão obedecer aos seguintes princípios: garantir a participação activa como dever de cidadania, promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e a não discriminação em função do sexo.
Neste sentido se tem orientado a intervenção sindical, tendo em vista a promoção da participação activa e consciente das mulheres e dos homens em todas as esferas da vida, do trabalho e da sociedade. Ao mesmo tempo, trabalhando por forma a que estas assumam, em maior número, cargos de direcção e responsabilidade, contribuindo para que as mulheres realizem plenamente a sua condição de cidadania.
A prática do Movimento Sindical em relação à participação das mulheres na vida sindical tem o seu reflexo mais imediato na sindicalização. Os dados apresentados no ano de 2004, mostram que o número de sindicalizações, neste período, foi de 46 768, correspondendo a 59,1% mulheres e 40,9% homens. Sobre a eleição de delegadas/os sindicais, no total de 3 346 eleitos, temos: 57,3% mulheres e 42,7% homens. Em relação à eleição de representantes para a Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho, no total de 178 eleitos, 67,2% são homens e 32,8% mulheres.
Esta elevada participação, tanto na sindicalização como na eleição de delegadas sindicais, não tem, contudo, a correspondência efectiva nas eleições para os órgãos de direcção sindical. Em estudo realizado até ao BTE (Boletim do Trabalho e Emprego) nº. 2, de 15.01.05, refere-se que, no total das eleições realizadas para as Direcções sindicais, por sector, em 1150 dirigentes, as mulheres representam 29,1%. Nas Uniões distritais, no total de 536 dirigentes, a percentagem de mulheres é de 28,5%. Nas Uniões locais, no total de 60 dirigentes, as mulheres representam 23,3%. Nas Federações, no total de 306 dirigentes eleitos a percentagem de mulheres é de 17,3%. Na Confederação dos Quadros Técnicos e Científicos, no total de 21 dirigentes eleitos, as mulheres representam 38,1%.
Quanto à CGTP-IN, no total de 147 dirigentes eleitos no último Congresso, 23,8% são mulheres. Neste caso, assinala-se que, ao nível de um dos órgãos executivos - o Secretariado do Conselho Nacional -, a percentagem de mulheres é superior a este rácio, elevando-se o seu peso a 33,2%.
Apesar da evolução verificada em relação às anteriores eleições, os números estão longe de corresponder ao efectivo peso das mulheres na sindicalização e na eleição de delegadas/os sindicais, que se tem verificado nos últimos anos. Esta questão levanta problemas ao Movimento sindical que deve questionar-se sobre a sub-representação das mulheres nos cargos de decisão e como fazer para alterar a situação.
Existem causas de natureza objectiva e subjectiva que é preciso compreender para modificar: o facto de haver um predomínio de homens nas direcções sindicais deve-se à própria natureza da estrutura sindical e ao funcionamento dos órgãos sindicais, que exigem uma disponibilidade quase total para as tarefas sindicais; as dificuldades nos locais de trabalho, e da própria estrutura, em conciliar a actividade sindical com a vida familiar e a falta de apoios que dêem suporte às mulheres, nas suas opções quanto à actividade sindical a tempo inteiro, são razões que as poderão levar a não estarem disponíveis para assumir estes cargos.
Por outro lado, verifica-se que a ideia fortemente inculcada nalgumas mentalidades de que a casa é para as mulheres e a rua é para os homens tem fortes raízes culturais, encontrando-se, por vezes, nas próprias mulheres, dificuldades de rejeição desta ideia. A alteração do número de mulheres nos órgãos de decisão sindical tem de passar por uma vontade própria das mulheres e dos homens em alterar a sua forma de estar e agir na actividade sindical, na família, no local de trabalho e na sociedade em geral.
Do mesmo modo, se entende que as estruturas sindicais devem alterar certos hábitos de funcionamento e criar condições para que as mulheres e homens do movimento sindical tenham em conta as dificuldades de participação que se colocam, sobretudo, às mulheres. O facto delas representarem 58,8% das novas sindicalizações e 61,3% dos delegados/as sindicais revela que, no local de trabalho, existe uma elevada participação das mulheres, sendo necessário ajustar as condições de participação sindical mais ampla.
Esta realidade mostra que, perante os problemas concretos e porque têm mais visibilidade na acção ao nível do local de trabalho, as mulheres participam mais. Mas esta participação pressupõe organização e unidade, porque é pela organização que mulheres e homens tomam consciência da necessidade de lutarem juntos, numa empresa ou serviço, para que, com mais força e unidade, possam ver satisfeitas as suas reivindicações laborais. E o local de trabalho é, ainda assim, o local privilegiado para a compreensão de que mulheres e homens devem ter estratégias comuns de actuação, sem anular as diferenças específicas que a identidade de cada um/a lhes confere.
Consideramos, por isso, essencial que se tomem medidas necessárias com vista ao aumento da sua representatividade a todos os níveis da estrutura sindical, contribuindo as mulheres de forma activa e responsável para a participação construtiva de uma sociedade melhor e para o seu desenvolvimento sustentado, que permita uma efectiva igualdade de género e de oportunidades.
Nesta matéria, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens aponta as seguintes medidas, a adoptar pelas estruturas sindicais:
7. Mentalidades – Agentes de Mudança
7.1 A família – realidades do nosso tempo
A conjugação, nas últimas décadas, de diversos factores – a baixa das taxas de natalidade, o aumento da esperança de vida, os surtos migratórios para os grandes centros urbanos, a participação crescente das mulheres na actividade económica, o aumento das taxas de divórcio, o aparecimento de outros modos de viver a conjugalidade e a diversidade de formas familiares, entre outros – determinaram mudanças profundas, no plano demográfico, familiar e mesmo dos valores.
As mudanças na família acentuaram-se, em particular, no decurso da última década. As famílias são, agora, mais reduzidas (2,8 pessoas é a dimensão média, face a 3,1 pessoas em 1991), se bem que ainda acima da média comunitária (2,4 pessoas em 2000); verifica-se uma maior instabilidade familiar - o número de divórcios duplicou; há mais núcleos de pessoas sós e nestes predominam as mulheres idosas, em resultado da sua mais longa esperança de vida, a maioria das quais vive de pensões; as solidariedades familiares intergeracionais foram afectadas pelas novas realidades do mundo do trabalho; cresceu o número de famílias monoparentais maioritariamente sob a responsabilidade de mulheres – representando, em 2001, 86,4% das 353 971 famílias monoparentais, com maior expressão na Região Autónoma da Madeira. Sendo certo que as famílias constituídas por um adulto e uma criança mantiveram a sua parte relativa, tal não significa que não tenham aumentado as famílias monoparentais, uma vez que importa, sobretudo, o facto de a pessoa isolada viver com o filho e não se este é criança. Observando os núcleos familiares, vemos que as famílias monoparentais femininas são mais de 300 mil (10%) em 2001. E neste contexto, deve-se lembrar que os filhos tendem a sair cada vez mais tarde de casa dos pais (ver quadros 16 e 17, em anexo).
Mudanças que denotam alguma evolução das mentalidades, por via da alteração de valores, nomeadamente em relação à divisão do trabalho remunerado, à formação do casal; ao divórcio, às alterações da estrutura familiar, que, na sua globalidade, implicam outras modalidades de organização da vida em sociedade e novas necessidades sociais, a que é necessário responder.
Nos termos do Artigo 67º da Constituição da República Portuguesa, entre outras disposições, incumbe ao Estado “Promover a independência social e económica dos agregados familiares”[22] e ainda ”Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade”[23].
A realidade das famílias portuguesas está, porém, bem longe das garantias constitucionais, verificando-se a tendência para o agravamento da sua condição, em resultado do crescente desinvestimento do Estado das suas funções sociais, dos ataques ao sistema público de Segurança Social, da degradação dos salários reais, das pensões e das condições de vida da população, das alterações introduzidas no regime de abono de família, do crescimento do desemprego e da precariedade dos vínculos laborais. Problemas que também afectam as mulheres e homens imigrantes em Portugal e as suas famílias, na medida em que dificultam a sua integração, já condicionada pelas discriminações de que são alvo e por razões que se prendem com a língua ou a religião.
Neste contexto, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens reclama a efectivação das garantias constitucionais de protecção às famílias, o que passa por:
7.2 A partilha equilibrada das responsabilidades familiares
O tempo gasto por mulheres e por homens em actividades domésticas e de apoio à vida familiar pode ser revelador de mudanças comportamentais. Contudo, os portugueses, tendo uma atitude evoluída em relação aos papéis de género (masculino e feminino) na divisão do trabalho remunerado, já quanto a alguns aspectos da organização da vida familiar tendem a ser mais “tradicionalistas”.
Estudos recentes demonstram que, no essencial, foram sobretudo as mulheres a adaptar-se ao exercício cumulativo de uma profissão e da prestação de cuidados à família, uma vez que, em média, se se considerar a actividade profissional e a vida familiar, trabalham mais 2 horas por dia do que os homens (embora os homens trabalhem profissionalmente mais 1 hora por dia do que as mulheres). Mesmo quando existe partilha de tarefas entre homens e mulheres, essa partilha é, em regra, desigual, com prejuízo para as mulheres. De acordo com os dados do INE, [24] dos homens empregados, mais de 80% nunca trata das roupas, mais de 70% nunca limpa a casa, perto de 50% nunca prepara as refeições. No que se refere ao acompanhamento e cuidados com as crianças, o quadro é diferenciado: o tempo despendido por homens e por mulheres no acompanhamento das crianças, em actividades de lazer e entretenimento, é equivalente, mas já os cuidados com a higiene diária, a alimentação e a vida escolar das crianças são assegurados, quase na totalidade, por mulheres. As mulheres representam, ainda, 88% do conjunto das pessoas com emprego que prestam cuidados a adultos dependentes.
Factos reveladores de que a integração crescente das mulheres na actividade profissional não determinou a participação equivalente dos homens nas tarefas domésticas e nos cuidados a prestar à família (se bem que, de acordo com os dados estatísticos disponíveis, haja um número crescente de pais a exercer o direito à licença por paternidade), nem erradicou as desigualdades entre mulheres e homens no mundo do trabalho.
Na prática, a mulher é sobrecarregada com o peso da dupla tarefa, o que significa menos tempo para o lazer e limitação do seu acesso a outras formas de participação social e cívica, mas também penalizações no exercício da sua actividade profissional por via da violação patronal e da administração pública de direitos laborais e de protecção da maternidade e da paternidade.
A partilha das responsabilidades familiares é profundamente influenciada pela cultura e pelos hábitos instalados, levando a que os homens continuem arredados de grande parte dos trabalhos domésticos mas também a que ainda muitas mulheres o considerem “natural”. Outras, desvalorizam o modo como os homens executam as tarefas, como se fossem inaptos e necessitassem permanentemente de “supervisão” por parte das mulheres. Nos agregados familiares com maiores rendimentos, a partilha é parcialmente substituída pela procura no mercado dos bens e serviços necessários.
Nos últimos anos, perante a crise da economia, o crescimento do desemprego e a maior intervenção social das mulheres, tem sido evidente a tentativa de recuperação ideológica, por parte da direita, do modelo de mulher dominante antes do 25 de Abril, hoje ultrapassado pela evolução social e pela afirmação dos direitos das mulheres como direitos inalienáveis do ser humano, veiculando a ideia de que a mulher pode trabalhar a tempo parcial, regressando, simultaneamente, à esfera doméstica. Tentativa reveladora de que a persistência de mentalidades e costumes ultrapassados, bem como as dificuldades e limitações impostas às mulheres, não resultam apenas de obstáculos e instituições criadas pelo homem mas também dos modelos culturais instituídos e dos interesses das classes dominantes.
Para a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens, a mudança de mentalidades com vista à partilha equilibrada das responsabilidades familiares implica:
7.3 A violência doméstica – um problema social
Não é admissível, nem tolerável, a violência – física, sexual ou psicológica – exercida sobre as mulheres. Nenhum costume ou prática cultural, nenhuma religião, nenhum poder político legitima a obstrução ao exercício de liberdades e direitos elementares ou a violação de direitos humanos fundamentais. Contudo, a realidade é bem diferente. A atestá-lo, as mulheres, as raparigas e mesmo as crianças que, por todo o mundo, são vítimas de violência doméstica, de violação, de sevícias sexuais, de mutilações genitais, de tráfico sexual, de assédio ou de violência psicológica no local de trabalho, muitas destas situações justificadas (por quem as pratica ou as sustenta) com base em costumes, tradições ou fundamentalismos religiosos.
Segundo o Conselho da Europa, a violência contra as mulheres no espaço doméstico é a maior causa de morte e invalidez entre mulheres dos 16 aos 44 anos, ultrapassando o cancro, os acidentes de viação e mesmo a guerra.
Também em Portugal, os modelos culturais impostos ao longo de séculos, se bem que ultrapassados pela evolução social, pesam, ainda, sobre os costumes e as mentalidades de mulheres e homens de todas as classes e camadas sociais. Neste contexto, a violência doméstica assume dimensões preocupantes e reveladoras da persistência da situação de desigualdade e subalternização das mulheres na sociedade – por semana, cerca de 5 mulheres são, em média, vítimas de crimes contra a vida; as Organizações Não Governamentais recebem, por ano, mais de 20000 queixas e pedidos de ajuda; as mulheres portadoras de deficiência são particularmente afectadas; as desempregadas representam uma percentagem elevada das mulheres que recorrem à ‘linha verde’ de apoio telefónico às vítimas.
A dependência económica sujeita, muitas vezes, as mulheres a quem as agride. O acesso ao trabalho e ao emprego de qualidade, a profissões valorizadas e a salários justos, sem violação de direitos por força da maternidade são, assim - associadas ao afastamento do agressor -, condições essenciais para erradicar a violência em função do sexo em Portugal.
No seu X Congresso, a CGTP-IN assume o compromisso de agir em ordem a contribuir para a evolução das mentalidades e para a exigência da adopção de políticas governamentais de prevenção e apoio às mulheres vítimas de violência doméstica.
Na mesma linha, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens desenvolverá a sua acção, reclamando:
7.4 A educação e as novas gerações – por uma pedagogia de igualdade
Muitas vezes desculpam-se os comportamentos discriminatórios, por parte das mulheres e dos homens mais velhos, com a educação. No entanto, verificamos que, nas jovens gerações, a necessária revolução das mentalidades não se foi fazendo na sua educação e talvez por isso verifiquemos que elas sofrem e têm, elas próprias, comportamentos discriminatórios. As atitudes, os comportamentos e a linguagem, das velhas mas também das novas gerações, reproduzindo modelos, reflectem, ainda, uma visão de um mundo fechado, onde a discriminação dos sexos é bem patente, quer no seio da família, quer no espaço público, que a mulher, pouco a pouco, tem conquistado. Para haver uma efectiva mudança de comportamentos, é necessário mudar mentalidades e para tal a educação pode contribuir decisivamente. Uma educação não discriminatória, que motive raparigas e rapazes a participar nas tarefas mais diversificadas e a desenvolver trabalho comum em áreas diferenciadas. Em 1997, foi aprovado, em Portugal, o primeiro “Plano Global para a Igualdade de Oportunidades”. A educação, ciência e cultura foi, então, definida como área crítica, onde seria urgente intervir. Nesse sentido, o documento inscrevia a necessidade de “contribuir para que nos currículos escolares seja dada a devida atenção ao papel complementar desempenhado pelos dois sexos na sociedade e na família, por forma a superar as discriminações, nomeadamente na divisão tradicional de papeis entre mulheres e homens”. Em 2003, foi aprovado o “II Plano Nacional para a Igualdade 2003-2006”, que aprofundava, com medidas concretas, os enunciados do primeiro Plano. Oito anos volvidos sobre o primeiro Plano, nos manuais escolares, salvo raras excepções, as raparigas continuam a aparecer associadas a profissões feminizadas, sobretudo à enfermagem, aos cuidados com a infância e idosos e trabalhos de secretariado. Já os rapazes trabalham com as tecnologias, praticam desporto e são engenheiros. Esta mensagem é interiorizada pela maioria das e dos jovens e, muitas vezes, é reforçada por professores e pela família, afastando os jovens de algumas escolhas profissionais. A reflexão quanto ao actual estado da educação na promoção da igualdade conduz à conclusão de que os conteúdos e as práticas veiculadoras de ‘papéis sociais específicos’ e de imagens estereotipadas não desapareceram por completo. No entanto, a educação é um meio insubstituível e indispensável para desenvolver a igualdade de género: trabalhando conjuntamente com professores, alunos e escolas, analisando e reflectindo sobre os materiais pedagógicos e os planos curriculares. A educação para a igualdade implica a eliminação das ideias - veiculadas e fortemente enraizadas pela cultura e pela tradição – segundo as quais as mulheres devem fazer determinadas tarefas porque estão mais vocacionadas e sensibilizadas para elas, tal como os homens, pelas mesmas ideias, têm aptidões próprias para tarefas diferentes. Este modo de pensar e ver o papel das mulheres e dos homens (estereótipos) deve ser alterado, contribuindo para a mudança de mentalidades, na qual a educação desempenha um papel fundamental. É pela educação e pela formação que se podem mudar os padrões socioculturais relacionados com os papéis sociais ‘do feminino e do masculino’ e contrariar a repetição acrítica, por jovens raparigas e rapazes, de modelos familiares que não têm presente, na sua vivência, a igualdade entre mulheres e homens.
Neste quadro, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens exige:
7.5 A comunicação social e as representações do feminino
A complexidade das sociedades exigiu uma resposta que já não era transmissível pela simples comunicação de sinais e mensagens. Da comunicação primitiva, oral, passou-se à informação, isto é, a uma comunicação organizada e hierarquizada, capaz de escolher os acontecimentos de maior relevo e de os fazer veicular pela comunidade.
Surgiram, assim, as opiniões públicas. Corolário da democracia, elas são, também, olhadas pelo poder político e pelo poder económico como um valioso instrumento que procuram manipular.
A História recorda-nos como instrumentos de formação política e ideológica, desta natureza, impuseram ditaduras que se propuseram impedir a formação de opiniões públicas livres e democráticas.
A comunicação é um elemento básico da sociedade em geral. Por isso, ela é igualmente importante no seio da actividade sindical, tanto no interior da vida sindical como na estreita relação que estabelece entre trabalhadoras/es e opinião pública.
Em Portugal, têm-se verificado profundas alterações na propriedade dos principais órgãos de comunicação social, ela é pertença do poder dominante na sociedade, do poder económico, do poder social, do poder político e do poder cultural, ou seja são as elites quem tem na sua posse os meios de comunicação social. Esta comunicação social exprime uma marca: os interesses e o poder dessa classe, sendo, muitas vezes, meros instrumentos desse poder.
A política que tem sido seguida por vários governos, que visa fragilizar o sector estatal da comunicação social para o colocar ao serviço, também, dos interesses económicos privados, cria obstáculos crescentes à difusão da mensagem sindical. Esta concentração não é favorável à causa das/dos trabalhadoras/es.
Os media influenciam fortemente as mentalidades e comportamentos de cada um/a de nós, em particular, e da sociedade, em geral. Daí a sua função não só informativa mas também formativa. Essa influência é tão mais importante quanto menor for o conhecimento acerca da comunicação social e quanto menor for também o espírito crítico de cada actor/a social.
A título de exemplo, veja-se a influência, em sectores da população feminina, da imagem construída pelo marketing acerca da “mulher perfeita” e do mito da beleza, através da produção de um modelo que apela ao consumo, que influencia determinadas faixas etárias e é lucrativo. A problemas como a anorexia e a bulimia, não são alheios, seguramente, esses ‘ideais’ de beleza, a que determinadas pessoas aderem, pondo em causa a sua saúde física e psicológica.
A imagem das mulheres e dos homens habitualmente transmitida pelos meios de comunicação social portugueses reproduz, de forma acrítica, e assim reforça, os estereótipos associados aos ‘papéis sociais específicos’. A publicidade é disso exemplo.
Mesmo as revistas ditas “femininas”, que nos últimos anos tiveram um crescimento exponencial, em regra, adoptam uma linha editorial que, em última instância, visa atingir a própria consciência política das mulheres. Os títulos de várias dessas publicações são elucidativos. Os conteúdos, aparentemente audazes na forma como tratam matérias tabu até há pouco tempo, acabam por não retratar ou então distorcem os verdadeiros problemas que afectam as mulheres e em particular as trabalhadoras. Muitas dessas revistas estão eivadas de ideias conservadoras quanto ao papel da mulher na sociedade, vendem a ilusão de outras vidas, fomentando a alienação e a fuga à dura realidade dos quotidianos.
Por outro lado, apesar de hoje o número de mulheres nas redacções e com responsabilidade editorial ser importante, nem por isso é dado o devido relevo às notícias provenientes de iniciativas promovidas por organizações de mulheres. Nas mesas redondas, debates ou entrevistas, com excepção das áreas consideradas tradicionalmente femininas, verifica-se a participação maioritária, se não quase exclusiva de homens. De um modo geral, apesar de alguns avanços, há ainda uma cultura de dominação masculina no discurso, que se repercute nas práticas.
Assim, no nosso país, muito há, ainda, a fazer em prol da promoção da igualdade de género nos meios de comunicação social. O peso e a influência dos media não têm sido importantes aliados da luta das mulheres pela igualdade e contra as discriminações sexistas, salvo raras excepções. É necessário um maior empenhamento e uma atitude colectiva transformadora de mentalidades. Um espírito crítico de todas e todos nós sobre o conteúdo veiculado pelos media e, por parte das e dos profissionais, uma reflexão permanente sobre os conteúdos que produzem.
Assim, e para que uma mudança de mentalidades e atitudes ocorra, para a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens urge que:
· Cada um/a de nós interiorize e leve à prática atitudes transformadoras em ordem à igualdade, combatendo a discriminação sexista;
· Se faça uma leitura crítica dos conteúdos veiculados pelos media;
· Se utilizem todos os instrumentos disponíveis na difusão duma informação livre e isenta, geradora de valores democráticos, sem atropelos à liberdade de opinião e de informação;
· A voz das cidadãs e dos cidadãos afastados dos poderes instituídos seja ouvida e de um modo particular das/dos trabalhadoras/es;
· Se mobilizem instrumentos, em ordem ao desenvolvimento da educação para os media;
· Se promovam campanhas de sensibilização e formação para a promoção de políticas de igualdade;
· Se dignifique a imagem das mulheres que, pela sua acção na vida política, social, económica e cultural contribuem para o desenvolvimento e o progresso da sociedade;
· Se contraponha, ao ideal da ‘super mulher’ ou da “mulher perfeita”, a realidade das mulheres trabalhadoras e da luta que desenvolvem para alcançar a sua emancipação económica e social;
· Se incentive o compromisso dos serviços públicos de comunicação social para a promoção de imagens positivas de mulheres e homens;
· A Alta Autoridade para a Comunicação Social e o Instituto do Consumidor intervenham, com vista à regulação da publicidade difundida, de modo a que esta se paute pelo respeito pelos direitos e pela dignidade humana das cidadãs e cidadãos, impedindo a disseminação de mensagens publicitárias que, directa ou indirectamente, contenham ou induzam a prática de discriminações em razão do sexo;
· Se promova a desgovernamentalização dos órgãos de comunicação social estatais e se cumpra o estabelecido no nº 4 do artº 38º, da Constituição da República Portuguesa.
[1] Fonte: Inquérito ao Emprego (INE), 2004. [2] Definida como a percentagem de pessoas empregadas duma faixa etária em relação ao total de pessoas dessa mesma faixa etária. [3] Fonte: Eurostat [4] Não incluem os funcionários públicos. Mas incluem os trabalhadores com contrato individual de trabalho na Administração Pública. [5] O cálculo inclui os Quadros Superiores; os Quadros Médios; os Encarregados, Contramestres e Chefes de Equipa; os Profissionais Altamente Qualificados e os Profissionais Qualificados. [6] Fonte: Eurostat e INE, 2º trimestre de 2004. [7] Fonte: Inquérito ao Emprego, INE. [8] Trata-se da taxa de desemprego oficial. De acordo com outros cálculos, que incluem os desencorajados e os subempregados, a taxa de desemprego real terá atingido os 9% no 2º trimestre de 2004, quando a taxa de desemprego oficial era de 6,3%. [9] Censos 2001, INE. [10] Dos 25 aos 64 anos. [11] OCDE, Education at a Glance, 2004. [12] Censos 2001, INE [13] Fontes: Inquérito ao Emprego (INE), Estatísticas da Educação (Ministério da Educação) e Observatório do Ensino Superior. [14] Fonte: Inquérito ao Emprego, INE. [15] Eurostat [16] Estudo de avaliação intercalar do POEFDS, Relatório Final, Outubro de 2003, Quaternaire Portugal e CIES [17] De notar que os níveis de qualificação não entram em linha de conta apenas com as habilitações. [18] Objecto de estudo, a partir do Inquérito Nacional sobre Assédio Sexual no Mercado de Trabalho, promovido pela CITE, 1992. [19] Estudo coordenado pela investigadora Virgínia Ferreira, do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, sobre “Maternidade, paternidade, local de trabalho – Direitos, práticas e representações”.
[20] Inquérito Nacional às Incapacidades, Deficiências e Desvantagens, Secretariado Nacional de Reabilitação, 1996. [21] Núcleos familiares constituídos por pai ou mãe com filhos. [22] Alínea a) do Artigo 67º da CRP [23] Alínea b) do Artigo citado [24] Inquérito à Ocupação do Tempo, 1999, INE. |
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Plano de Acção
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