No âmbito do Semestre Europeu, a Comissão Europeia publicou uma proposta de recomendação ao Conselho sobre o Programa Nacional de Reformas para 2015 bem como um Parecer sobre o Programa de Estabilidade para 2015. Estes documentos confirmam que depois da saída da troika, se quer dar continuidade à política de direita, responsável pela exploração, desigualdades e empobrecimento crescente dos trabalhadores, do povo e do país.

As cinco "recomendações" agora apresentadas abrangem matérias como a política orçamental, salários, emprego, endividamento das empresas, reestruturações, concessões e parcerias público-privadas. Estas são políticas que dão continuidade às denominadas "reformas estruturais", à coordenação das políticas orçamentais e ao aprofundamento da UEM, num quadro marcado pelo Tratado Orçamental e por novos ataques à legislação laboral, à contratação colectiva, aos serviços públicos, às funções sociais do Estado, assim como à democracia e soberania nacional.

Política orçamental

A Comissão recomenda um ajustamento fiscal de 0,6% do PIB, o qual acresce aos efectuados no período de 2010 a 2014. Ainda assim, manifesta dúvidas sobre a realização do défice nominal de 2,7% do PIB em 2015 e aponta para um valor superior (3,1%). Esta é uma posição concertada com o governo português para fazer mais cortes na despesa pública, nomeadamente na despesa social, quando se diz haver "progressos limitados no desenvolvimento de novas medidas abrangentes como parte integrante da reforma das pensões em curso".

Em suma, pretendem dar continuidade a uma política de ainda maior penalização dos reformados e pensionistas, que foram, em conjunto com os assalariados, os mais atingidos nomeadamente pelos cortes, a não actualização das pensões e o aumento do IRS. Lembramos que o Governo quer efectuar um novo corte nas pensões em 2016 equivalente a € 600 milhões. Acresce que a proposta apresentada pelo PS, de redução de 4 pontos percentuais da TSU, a concretizar-se, teria como consequência a diminuição do valor das pensões de reforma dos trabalhadores que actualmente estão no activo.

Como é óbvio, esta é uma política que aposta na diminuição do nível de vida de uma população que, não estando inserida no activo, se encontra numa situação mais fragilizada. A CGTP-IN rejeita esta política de retrocesso social e civilizacional que estigmatiza os pensionistas, põe em causa a coesão social e enfraquece a solidariedade entre gerações, favorecendo divisões artificiais entre trabalhadores no activo e reformados.

Salários e contratação colectiva

A Comissão defende que se deve proceder ao alinhamento dos salários e da produtividade, não atendendo a outros factores, desde logo à inflação e a uma mais justa distribuição da riqueza. Os cortes salariais, o desemprego e a evolução desfasada da produtividade conduziram a uma forte diminuição da parte salarial na distribuição do rendimento nacional – a qual passou (contribuições sociais patronais para a segurança social incluídas) de 47,7% do PIB em 2009 para 44,1% em 2014.

Nada justifica, a não ser a obsessão pela continuidade da exploração, que se mantenha a pressão sobre os salários, aos mais diversos níveis, num país que já é um dos mais desiguais da Europa.

A CGTP-IN considera inaceitável o ataque ao salário mínimo nacional, na linha do que a Comissão já antes fizera, quando o objectivo principal da Retribuição Mínima Mensal Garantida é proteger os trabalhadores contra os baixos salários e contribuir para assegurar um nível de vida digno, tal como resulta da Constituição da República Portuguesa, da Carta Social Europeia e da Convenção 138 da OIT.

De igual modo, reputamos de ilegal a "aliança" da Comissão Europeia e do Governo, relativa ao desmantelamento do nosso sistema de negociação colectiva. Afirma-se que: "O desafio que o sistema enfrenta consiste em permitir às empresas adaptarem-se em circunstâncias específicas. Tal inclui o recurso eficaz às disposições em vigor que lhes permitem invocar derrogações a convenções colectivas sectoriais em circunstâncias específicas", o mesmo é dizer subordinar os direitos laborais e sociais aos interesses económicos das empresas. As autoridades europeias não podem nem devem interferir no nosso sistema de negociação colectiva, nem têm legitimidade para pôr em causa a contratação colectiva. A contratação colectiva é uma fonte de direitos, de harmonização social no progresso, de distribuição da riqueza, indissociável da efectivação do princípio do direito de trabalho e da afirmação da democracia. Não há democracia sem contratação colectiva.

Emprego

A Comissão recomenda a melhoria da eficiência dos serviços públicos de emprego, em particular junto dos jovens não registados; a activação efectiva dos beneficiários de prestações sociais e uma cobertura adequada do regime de rendimento mínimo (Rendimento Social de Inserção). A melhoria dos serviços públicos de emprego é importante. Mas o que se verifica é o seu esvaziamento, face à entrada de entidades privadas numa área que deveria ser exclusivamente pública.

Para a CGTP-IN, é necessário responder não apenas aos problemas dos jovens mas também tomar medidas dirigidas aos restantes desempregados: não só medidas de apoio ao emprego mas também de formação profissional para desempregados e empregados. É preciso cumprir o direito ao número mínimo de horas de formação anual para cada trabalhador, o que a esmagadora maioria das empresas não faz.

O conteúdo de várias medidas tem que ser melhorado. Rejeita-se que se apoie a contratação a prazo com fundos públicos e que o serviço público de emprego aceite ofertas de emprego precárias sem verificar se estão em causa tarefas temporárias, ou com baixos salários que não respeitam o princípio de salário igual para trabalho igual ou de igual valor. Outras medidas como os estágios e os contratos emprego-inserção têm que ser também fiscalizadas pelo IEFP e pela Autoridade para as Condições de Trabalho pois há muitas situações de substituição de postos de trabalho. É necessário também assegurar que existem recursos humanos suficientes no serviço público de emprego para cumprir as tarefas que são da sua responsabilidade, o que hoje não acontece.

Quanto à activação dos beneficiários de prestações sociais, dada a falta de qualidade das respostas, é preocupante que se ameace com o corte das mesmas quando os desempregados não aceitam as medidas propostas, mesmo que estas sejam de má qualidade e atentem contra os seus direitos, como é o caso dos Contratos Emprego-Inserção ou o encaminhar para empregos precários e com salários muito baixos. Defendemos a alteração desta situação, o fim da redução dos 10% do subsídio de desemprego ao fim de 6 meses de inscrição, bem como o aumento da cobertura das prestações de desemprego (que apenas cobrem 1/3 dos desempregados) e a atribuição do subsídio social de desemprego a todos os desempregados sem prestações de desemprego. Relativamente ao rendimento social de inserção, é fundamental aumentar a sua cobertura, já que o número de beneficiários diminuiu substancialmente nos últimos anos.

Endividamento das empresas

A Comissão Europeia diz-se preocupada com o endividamento das empresas e com a discriminação que considera existir entre o tratamento fiscal dado às despesas de financiamento, por via de contracção de dívida, e o financiamento por via do reforço do capital próprio.

Quanto ao diferente tratamento fiscal dado a diferentes formas de financiamento (por dívida ou por capital), a Comissão refere que a redução do limite à dedução dos encargos com juros, preconizada na Reforma do IRC em 2014 foi já um passo na resposta a esta "discriminação", mas que é preciso ir mais longe. Ora em documentos publicados pela Comissão Europeia sugere-se que a solução para o enviesamento passa pela Dedução Do Capital (ACE – Allowance for corporate capital), que no fundo é a possibilidade de serem deduzidos no lucro tributável as "injecções" de capital feitas através da emissão de acções ou de obrigações.

Podendo ser aplicada de diferentes formas, a ACE permite alargar o espectro de deduções e reduzir a base tributária das empresas. Como só as grandes empresas e grupos económicos fazem reforços de capital através da emissão de acções e obrigações, tal medida permite engrossar, uma vez mais, esta pequena minoria, e prosseguir a tendência decrescente dos impostos sobre o capital, num quadro em que os trabalhadores e pensionistas continuam a ser confrontados com uma brutal carga fiscal, nomeadamente no IRS.

Reestruturações das empresas

A Comissão propõe uma maior eficiência dos mecanismos de reestruturação das dívidas das empresas viáveis, de forma a envolver a banca e devedores nos processos de reestruturação tão cedo quanto possível. A CGTP-IN entende que os programas de reestruturação de empresas (PER e SIREVE) devem ser devidamente avaliados porque não asseguram a salvaguarda do emprego. Estes processos abrangem normalmente empresas com elevadas dívidas e quase sem capitais próprios.

Acrescem outros problemas. Hoje um pequeno número de credores (30% do total) pode acordar um plano de recuperação que pode ser ruinoso para os restantes credores. A situação mais grave respeita aos créditos salariais que, não obstante deverem ser considerados créditos indisponíveis por terem natureza alimentar, são nalguns casos objecto de redução e noutros sujeitos a pagamentos em períodos excessivamente longos. A CGTP-IN entende tratar-se de práticas que não respeitam princípios constitucionais. Defendemos que se tem de garantir que os direitos dos trabalhadores são plenamente respeitados, e que os seus créditos não são colocados em pé de igualdade com os demais.

A situação é mais grave nos PER que nos SIREVE porque a entidade patronal se mantém na gestão da empresa ainda que haja a intervenção do administrador judicial provisório. Os PER não podem ser um meio de as entidades patronais se eximirem às consequências (incluindo as criminais) de gestões danosas, e crimes fiscais, decorrentes do uso de valores correspondentes a pagamentos dos trabalhadores ao fisco (IRS) e à Segurança Social (TSU) ao obterem a inclusão desses valores nos acordos de pagamento, com prazos muito alargados.

Concessões e parcerias público-privadas

A Comissão Europeia pretende acelerar os processos de concessões, incluindo as do sector dos transportes, e incentivar novas parcerias público-privadas (PPPs) a nível local e regional. As PPPs são uma despesa parasitária que consome largos milhões de euros anualmente aos contribuintes. Entre 2016 e 2019 o Estado terá mais de 5,7 mil milhões de euros em encargos de PPPs (quase 1,4 mil milhões em 2015), só considerando as que estão sob alçada do Estado central, excluindo todas as concessões e PPPs no sector da água, dos transportes, do estacionamento, entre muitas outras realizadas a nível local. O risco e os prejuízos ficam sempre na responsabilidade pública, enquanto as empresas e consórcios privados têm uma fonte de lucro garantida, exigindo com regularidade a "reposição de equilíbrio financeiro" ao Estado, i.e., o pagamento da renda fixa.

Simultaneamente, as populações ficam com piores serviços. No sector de transportes, para o qual a Comissão Europeia aponta especialmente, a deterioração do serviço quando concessionado, é claramente sentida pelas populações: tarifas mais caras, desaparecimento de carreiras ou franca diminuição da sua frequência, transportes, estações e paragens degradadas, despedimentos em massa nas empresas concessionadas.

Com esta recomendação, a Comissão Europeia pretende alargar o que é um problema grave para os trabalhadores e as populações em geral e que coloca enormes pressões sobre o orçamento de Estado. A sua resolução é indissociável do fim imediato de todo e qualquer processo de concessão ou PPP, e a reversão progressiva dos contratos em vigor.

É POSSÍVEL UMA POLÍTICA DE PROGRESSO E JUSTIÇA SOCIAL

Em suma, a CGTP-IN manifesta a sua oposição às "recomendações" agora apresentadas pela Comissão Europeia e secundadas pelo Governo do PSD/CDS-PP, assumindo como alternativa a ruptura com esta política, o fim do Tratado Orçamental e do Pacto de Estabilidade, a renegociação da dívida nos seus prazos, montantes e juros.

O futuro do país passa, necessariamente, por uma economia que promova e dinamize o investimento público, valorize o trabalho, afirme a contratação colectiva, o emprego com direitos e o aumento dos salários, a defesa e melhoria dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, condições essenciais para colocar Portugal no rumo do desenvolvimento, progresso e justiça social.

Lisboa, 23.6.15