TRABALHADORES MAIS POBRES, RICOS CADA VEZ MAIS RICOS
O Primeiro-Ministro exprimiu, recentemente, "preocupações" sobre o crescimento das desigualdades e afirmou, ainda, estar na hora de as combater.
Para a CGTP-IN, as ditas preocupações de Passos Coelho, só expressas em período eleitoral, são bem reveladoras do cinismo que pauta a mensagem do Governo PSD/CDS-PP, numa tentativa de se ilibarem das responsabilidades que lhes cabem na verdadeira desgraça social a que a política de direita e seus executantes têm conduzido os trabalhadores, o povo e o País. O crescimento das desigualdades constitui um resultado da política dita de austeridade e não propriamente algo inesperado, alheio à política de direita e às práticas governamentais. A realidade não pode ser mistificada.
Portugal está hoje mais desigual como mostram os dados estatísticos respeitantes à evolução dos salários, da distribuição do rendimento e da riqueza – ainda que estes domínios não esgotem as desigualdades sociais.
A política de "austeridade", ou antes, de agravamento da exploração, das desigualdades e do empobrecimento, teve um impacto directo e brutal nestes domínios. Na Administração Pública, o último aumento das remunerações ocorreu em 2009. Daqui resulta um corte real de 8%, valor que corresponde à soma da inflação acumulada entre 2010 e 2014 (8,5% se a inflação for de 0,5% em 2015, como prevê o Banco de Portugal). A esta redução somam-se os cortes salariais efectuados, e ainda não revertidos, e outras medidas com impacto salarial, como o congelamento das carreiras e o aumento dos descontos para a ADSE (de 1,5% para 3,5%).
Os salários no sector privado sofreram também perdas do poder de compra. O ganho dos trabalhadores a tempo completo teve um aumento de apenas 2,1% entre 2009 e 2014 (passou de 1099 euros para 1123 euros), de acordo com o Inquérito aos ganhos e à duração do trabalho, o qual é sobretudo representativo da evolução no sector privado. Os ganhos (isto é, a remuneração de base, prémios e subsídios regulares e pagamento de horas extraordinárias) quase estabilizaram num período em que a inflação cresceu 8%, havendo pois uma perda real de 5,5% (102,1/108).
Remunerações dos trabalhadores a tempo completo, €
2009 |
2010 |
2011 |
2012 |
2013 |
2014 |
|
Remun. Base |
916,0 |
934,2 |
967,2 |
956,4 |
960,9 |
946,4 |
Ganho |
1099,0 |
1113,9 |
1138,5 |
1119,3 |
1125,2 |
1122,5 |
Var. % |
1,4 |
2,2 |
-1,7 |
0,5 |
-0,2 |
Fonte: GEE, Inquérito aos ganhos e duração do trabalho 2014
Nota: O Inquérito não abrange todas as actividades, como a Administração Pública
A evolução salarial não pode ser separada de um nível salarial muito baixo. A remuneração média de base dos trabalhadores a tempo completo em 2014 é inferior a 950 euros, enquanto a dos trabalhadores a tempo parcial é de apenas 326 euros (385 euros em termos de ganho), a que corresponde uma duração de trabalho semanal de 19 horas. Muitos destes trabalhadores (306 mil assalariados no 2º trimestre de 2015) trabalham a tempo parcial simplesmente pela razão de não conseguirem emprego a tempo completo. Nalgumas actividades, a remuneração de base mensal dos trabalhadores por conta de outrem a tempo parcial é inferior a 300 euros, como acontece nas actividades administrativas e nos serviços de apoio (242 euros), alojamento restauração e similares (279 euros) e construção (294 euros). As actividades administrativas e nos serviços de apoio abrangem vários serviços, incluindo os centros de chamadas, onde o trabalho é caracterizado pela forte presença de jovens, pela precariedade e pelos baixos salários.
A distribuição do rendimento salarial mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem constitui uma medida importante porque revela o rendimento que fica disponível para consumo (e, eventualmente, para poupança), após o pagamento dos impostos e contribuições sociais. Um terço dos assalariados recebe um salário líquido até 600 euros e mais de 60% até 900 euros. Se tivermos em conta que na periferia dos grandes centros urbanos é difícil obter uma casa com uma renda mensal inferior a 300 euros, sobram outros 300 para todas as outras despesas, muitas das quais são também de natureza básica.
TPCO segundo o escalão de rendimento salarial mensal líquido
Milhares |
% |
% Acumulada |
|
Total |
3723,4 |
100,0 |
|
Menos de 310 euros |
157,8 |
4,2 |
4,2 |
De 310 a menos de 600 euros |
1 050,5 |
28,2 |
32,4 |
De 600 a menos de 900 euros |
1 068,3 |
28,7 |
61,1 |
De 900 a menos de 1 200 euros |
467,2 |
12,5 |
73,6 |
De 1 200 a menos de 1 800 euros |
433,9 |
11,7 |
85,3 |
De 1 800 a menos de 2 500 euros |
116,6 |
3,1 |
88,4 |
De 2 500 a menos de 3 000 euros |
23,9 |
0,6 |
89,0 |
3 000 euros e mais euros |
29,0 |
0,8 |
89,8 |
NS/NR |
376,4 |
10,1 |
99,9 |
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego, 2º trim. de 2015;
Nota: NS/NR = Não sabe/não responde
Um elevado número de trabalhadores por conta de outrem vive, pois, em situação de pobreza real, mesmo que não apareçam considerados como tal nas estatísticas oficiais. Recorde-se, neste contexto, que em Outubro de 2014, quase 20% dos trabalhadores eram abrangidos pelo salário mínimo nacional (25% nas mulheres).
Esta realidade choca com a abissal diferença entre as remunerações do topo dos executivos das empresas cotadas na bolsa e o salário médio; diferença ainda maior quando se recorre a medidas relativas aos baixos salários. A remuneração média dos presidentes executivos das empresas que constituem o PSI 20 é de 47,6 mil euros mensais em 2014, o que representa 42 vezes mais que o ganho médio de um trabalhador no sector privado. A diferença é muito maior quando se considera o salário mínimo nacional e o ganho dos trabalhadores a tempo parcial.
Diferenças salariais (2014)
Remuneração presidentes-executivos (PSI 20), € |
47609,7 |
Custo por trabalhador (PSI 20), € |
1587,4 |
Ganho (sector privado), tempo completo € |
1122,5 |
Ganho (sector privado), tempo parcial, € |
384,6 |
Salário mínimo nacional, € |
505,0 |
Diferença salarial |
|
Custo por trabalhador |
30,0 |
Ganho (sector privado) |
42,4 |
Ganho (sector privado), tempo parcial |
123,8 |
Salário mínimo nacional |
94,3 |
Fontes: Diário Económico de 7.8.15 (informação sobre PSI 20) e GEE, Inquérito aos Ganhos e Duração do trabalho 2014;
A remuneração anual média dos presidentes-executivos e o custo por trabalhador das empresas do PSI 20 foram divididos por 14.
Em termos de desigualdades, importa também referir a distribuição funcional do rendimento, a qual mede a parte do rendimento que vai para o trabalho e para o capital. A parte salarial caiu em todos os anos desde 2009. As remunerações do trabalho (as quais incluem as contribuições sociais patronais para a segurança social) passam de 47,7% do PIB em 2009 para 44,1% em 2014 (menos 7,2 mil milhões de euros). Esta evolução traduz uma transferência brutal de rendimentos salariais para lucros e outros rendimentos não salariais.
Parte das remunerações no PIB
PIBpm |
Remuner. |
% do PIB |
EBE |
% do PIB |
|
2009 |
175448 |
83625 |
47,7 |
72250,2 |
41,2 |
2010 |
179930 |
84842 |
47,2 |
74259,9 |
41,3 |
2011 |
176167 |
81617 |
46,3 |
73230,6 |
41,6 |
2012 |
168398 |
75305 |
44,7 |
72634,2 |
43,1 |
2013 |
169395 |
76058 |
44,9 |
72922,1 |
43,0 |
2014 |
173044 |
76381 |
44,1 |
75006,4 |
43,3 |
Fonte: INE, Contas Nacionais; milhões de euros
Nota: EBE = excedente bruto de exploração
Refira-se, por último, que se a crise atingiu com toda a força os trabalhadores, e nestes os que ganham menos, o mesmo já não aconteceu com os mais ricos, cuja riqueza cresceu, continuando a apropriar-se de um enorme quinhão da riqueza. Os 25 mais ricos do país têm um património avaliado em 14,7 mil milhões de euros, o que corresponde a 8,5% do PIB nacional, segundo a lista anualmente publicada pela revista Exame. Em suma, a crise não é para todos.
Este é o resultado de uma política de classe, ao serviço dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros e das grandes potências. A realidade confirma, assim, uma vez mais, a urgência de ruptura com a política de direita e de inversão do rumo seguido, por via de uma política verdadeiramente alternativa, de esquerda e soberana, comprometida com os valores e direitos de Abril, abrindo caminho a um Portugal desenvolvido, de progresso e justiça social.
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 19.08.2015