A valorização do trabalho e dos trabalhadores é uma reivindicação que a CGTP-IN há muito vem exigindo, não só para garantir uma vida digna a quem trabalha, mas também como condição central para o desenvolvimento do país.
À exigência dos trabalhadores e dos seus sindicatos para o aumento geral dos salários e o combate à precariedade, o grande patronato e quem o representa responde que, nos últimos tempos e no quadro da escassez de mão de obra, não só já se pagam elevados salários, como se oferece estabilidade para “reter talento” e o “saber fazer” que as empresas precisam.
A fazer fé nas declarações patronais, a questão dos salários e da precariedade já não seria um problema, mas dados pedidos pela CGTP-IN ao INE relativos ao 4º trimestre de 2021 (anexo I), mostram uma realidade muito distinta da apresentada pelos representantes do grande patronato.
No 4º trimestre de 2021, começaram a trabalhar em Portugal 478.500 assalariados, 71% dos quais com um vínculo precário. Se são tão necessários, se há tanta escassez, se aquilo que está em jogo é a sustentabilidade de sectores de actividade, porque continuam a ser esmagadoramente precários os vínculos? Dos 478.500 trabalhadores que iniciaram funções, 341.800 fizeram-no com um vínculo precário. É esta a estabilidade de que fala o grande patronato? É com a contratação a termo que se “retém talento” de que permanentemente precisam as empresas?
Se olharmos para o lado dos salários (os dados do INE relativos ao 4º trimestre apenas têm valores para 384 mil trabalhadores), verificamos que no emprego criado, 70% dos trabalhadores levava para casa menos de 900€, ou seja, auferiam um salário inferior em mais de 200€ ao rendimento que permite um nível de vida digno no nosso país, que um estudo recente aponta como devendo ser, no mínimo, de 1.136€ para cada membro de um casal com dois filhos.
Quem começou a trabalhar entre Outubro e Dezembro de 2021, levou para casa, em média, 830€, valor que diz bem o quão “elevados” são os salários que o grande patronato afirma pagar.
Se alargarmos a análise à totalidade do ano de 2021, recorrendo às ofertas de emprego publicadas pelo IEFP (anexo II), verificamos que grande parte dos empregadores que recorre ao IEFP continua a contratar pelo salário mínimo nacional, incluindo para postos de trabalho que exigem elevado nível de qualificações e até licenciaturas.
A média total dos salários oferecidos foi de 670,67€ (5,67€ acima do SMN), e ainda que haja uma influência dos trabalhos a tempo parcial, o que fica patente é que, ao contrário do que vem sendo afirmado, continuam a ser impostos salários de miséria à larga maioria dos trabalhadores em Portugal, com a consequente desvalorização das carreiras e profissões.
A análise aos dados fornecidos pelo INE, e a consulta às ofertas de emprego publicadas pelo IEFP, permite-nos enquadrar a questão da falta de trabalhadores de que se queixa recorrentemente o grande patronato, desmonta a falsidade dos “elevados salários” que estão agora a ser praticados e deita por terra a ideia que o emprego que está a ser criado é estável.
Se a estes dados, juntarmos a “receita” patronal para resolver o problema da falta de mão de obra, ou seja, o recurso à emigração, fica completo o novo filão para acentuar a exploração, para manter a precariedade, para perpetuar os baixos salários.
As ameaças repetidas até à exaustão de que há sectores de actividade que estão em risco de paralisação e que os próprios fundos do PRR correm o risco de não ser executados se não se responder ao problema da falta de mão de obra, enquadram-se assim numa estratégia para travar o aumento geral dos salários e aumentar os lucros, ou seja, para repor e incrementar a parte da riqueza que todos os anos é criada pelos trabalhadores e apropriada pelo grande capital.
A CGTP-IN, reiterando toda a solidariedade que ultrapassa as palavras e se traduz em actos concretos para com os trabalhadores e povos que por opção ou obrigação procuram fora dos seus países melhores condições de vida e de trabalho, não pode deixar de denunciar a visão utilitarista com que a emigração está a ser abordada pelo grande patronato.
Denúncia que se estende ao Governo português que se tem recusado a revogar as normas gravosas da legislação laboral, a revogar a norma da caducidade e a reintroduzir o princípio do tratamento mais favorável, elementos essenciais para o aumento geral dos salários e a garantia do trabalho com direitos. Um Governo que coloca como objectivo fixar daqui a quatro anos o SMN nos 900€ quando, como já referimos, para garantir o mínimo de dignidade e responder ao problema demográfico, aquilo que se exige é uma subida geral dos salários e uma significativa melhoria dos mesmos.
As condições do país, o seu nível de produção de riqueza, permitem que já hoje se responda à reivindicação dos trabalhadores e da CGTP-IN de aumento em 90€ para todos os assalariados e a fixação do SMN nos 850€ a curto prazo. Aquilo que é necessário é travar as desigualdades e o facto de uma minoria se apoderar de uma fatia crescente da riqueza que todos os anos é produzida. O aumento dos salários é, também, um elemento que potencia o crescimento económico e permite que a larga maioria das empresas escoe a sua produção, quem tem no mercado interno e na elevação do poder de compra dos salários e das pensões de reforma, factores de dinamização comprovada pelos anos recentes.
Por mais intensa que seja a campanha de manipulação, a verdade é que todos anos milhares de milhões de euros são distribuídos por grandes accionistas de grandes empresas que funcionam em situação de monopólio e praticam preços que asfixiam as micro, pequenas e médias empresas e as famílias, para acumular dividendos. É assim na energia, nos combustíveis, nos serviços bancários e seguros, nas empresas da grande distribuição.
Só no ano de 2020 (último com dados disponíveis e marcado pelos “sacrifícios” decorrentes da pandemia) foram distribuídos 19, 5 mil milhões de euros em dividendos (dados do INE), o que equivale a 342€ mensais (a 14 meses) por cada assalariado que hoje trabalha no nosso pais. Também em 2020, o montante que a Autoridade Tributária identifica como tendo sido transferido para paraísos fiscais atingiu perto de 7 mil milhões de euros que equivalem a 120€ mensais por trabalhador.
É neste contexto em que aumentam os preços de bens e serviços essenciais, marcado por uma profunda injustiça que condena a maioria de quem vive, trabalha e trabalhou no nosso país a um baixo nível de vida para garantir a opulência a uma ínfima minoria, que a CGTP-IN apela a todos os trabalhadores para a continuação e intensificação da luta, pelos salários, por melhores horários e menos tempo de trabalho, pelo fim da precariedade e pelas reivindicações que garantem a elevação das condições de trabalho e de vida em Portugal.
CGTP-IN
24.02.2022
Anexo I (abaixo) Anexo II (clicar aqui)