Em 2002, entrou em vigor a directiva comunitária que obriga os Estados-membros a elaborar mapas de ruídos e a fornecer dados sobre os níveis de ruído nas cidades com mais de 100 mil habitantes antes de Junho de 2007. Contudo, pese embora as medidas tomadas ao nível nacional e municipal, a verdade é que cada vez mais milhões de pessoas são permanentemente expostas ao ruído nas grandes cidades, correndo o risco de serem afectadas na sua saúde.  

PELA VOSSA SAÚDE

 

 

VAMOS CALAR ESSE RUÍDO!

Armando Farias
Representante dos Trabalhadores Portugueses
 no Conselho de Administração da Agência Europeia
 para a Segurança e Saúde no Trabalho
 e Membro do Comité Consultivo da UE

Publicado na revista do ISHST
Editada para assinalar a Semana Europeia de Prevenção
contra a exposição do Ruído no Trabalho,
distribuída dia 24 de Outubro com o Jornal de Noticias

 

É muito antiga a luta que os sindicatos têm travado na denúncia e combate aos problemas que afectam a saúde dos trabalhadores causados pela exposição ao ruído nos locais de trabalho pois sabe-se, desde há muito tempo, que a perda de audição acarreta a curto prazo distúrbios graves, como sejam as dificuldades em dormir, aumento da pressão arterial, alterações no ritmo respiratório e, a mais longo prazo, torna a surdez irreversível (por ser incurável), condenando o trabalhador a um estado de isolamento em consequentemente a comportamentos depressivos.

Entretanto, inúmeros cientistas, médicos, outros técnicos de saúde e especialistas de diversas áreas relacionadas com a saúde ocupacional têm, por seu lado, contribuído decisivamente para actualizar o conhecimento relativamente a outros efeitos nocivos que o ruído pode provocar na saúde humana (efeitos cardiovasculares, alterações fisiológicas, perturbações psicológicas e outros efeitos extra-auditivos com reflexos ao nível do relacionamento social) e têm, também, estudado as soluções e medidas adequadas à sua prevenção, incluindo o desenvolvimento da ergonometria das tarefas profissionais.

Paralelamente, tem sido produzida abundante legislação ao nível comunitário, prescrevendo as obrigações dos Estados e das empresas na avaliação, controlo e eliminação das fontes de ruído, sendo que Portugal tem acompanhado essa evolução, nomeadamente com a transposição das respectivas directivas para o direito interno, com a actualização do Regulamento Geral do Ruído ou, ainda, com a ratificação da Convenção 148 da OIT (1980).

É, assim, incompreensível que no nosso país continuem expostos ao ruído centenas de milhares de trabalhadores, como é demonstrado em estudos realizados com base em rastreios efectuados em vários sectores de actividade, em que se constatou que a maioria dos trabalhadores das respectivas empresas revelavam Perda Auditiva por Traumatismo Sonoro (empresas dos sectores da construção, metalurgia, química, …).

Aliás, mesmo sabendo-se da insuficiência de notificação (e subsequente participação obrigatória ao Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais) das doenças presumidamente diagnosticadas como doenças de origem profissional, que por sua vez se reflecte no registo de dados estatísticos inteiramente inverosímeis (em 2001 foram registados 357 casos de hipoacusia, enquanto que em 2004 passou para 725, representando 22% do total das doenças profissionais certificadas), não deixa contudo de ser um facto que o ruído é oficialmente reconhecido como causador da segunda maior patologia adquirida no trabalho, a surdez profissional, constituindo um dos maiores flagelos presentes nos locais de trabalho.

Evidentemente que não se pode aceitar esta situação, como se ela fosse uma fatalidade. Na prevenção do risco associado à exposição ao ruído, como de resto acontece quanto à prevenção de outros riscos profissionais, a legislação existente é suficiente, as metodologias de intervenção adequadas já foram testadas, as medidas que devem ser tomadas são conhecidas. Não é necessário, portanto, voltar novamente a "inventar a roda". É necessário, isso sim, por definitivamente termo a comportamentos e a actividades negligentes, com que frequentemente é encarada a prevenção dos riscos profissionais, exigindo-se uma acção consequente de todos os intervenientes com responsabilidade nesta matéria, o que passa, entre outras medidas, por: uma efectiva vontade política dos governos em fazer cumprir a lei, assegurando particularmente a aplicação dos princípios gerais da prevenção e o cumprimento dos valores-limite de exposição legalmente estabelecidos; implementar programas de identificação, medição e eliminação das fontes de ruído; formação de técnicos qualificados para utilizar os instrumentos de medição, que por sua vez devem ser adequados às funções a que se destinam e devidamente calibrados; registo das avaliações efectuadas em modelo oficialmente aprovado; garantir a participação dos trabalhadores e dos seus representantes quer quanto à consulta e parecer relativamente às medidas para a eliminação das fontes de ruído, escolha das máquinas, ferramentas e outros equipamentos, medidas de controlo colectivas e adopção de equipamentos de protecção quer, ainda, quanto à formação e informação a que legalmente têm direito; adoptar programas de vigilância médica, em articulação com os médicos de família e médicos assistentes, considerando o importante papel pró-activo que os serviços de saúde pública têm na prevenção da saúde e dos riscos profissionais; informar e sensibilizar a classe médica para o cumprimento da lei no que respeita à notificação e participação obrigatória das doenças profissionais; adoptar medidas e legislação, incluindo a revisão da Tabela Nacional de Incapacidades, por forma a assegurar aos trabalhadores com surdez profissional a reparação e reabilitação a que muito justamente têm direito mas que desgraçadamente são vítimas do desinteresse dos poderes públicos que os colocam em situação de total desprotecção (dos 725 casos de surdez profissional registados em 2004, cerca de 65% foram declarados sem nenhuma incapacidade; quanto à maioria dos restantes, foram declarados com incapacidades muito baixas).

Por último, justifica-se uma referência também sobre os problemas causados pelo ruído ambiental, ou seja o ruído provocado por todas as fontes para além das áreas industriais, que tem vindo encarado como uma das grandes preocupações, nomeadamente pela Organização Mundial de Saúde. Na verdade, com o advento da industrialização, do crescimento vertiginoso do tráfego rodoviário, ferroviário e aéreo, do desenvolvimento de sectores como a construção e obras públicas, das industrias de lazer, etc., atingiu-se nos dias de hoje uma situação de verdadeira calamidade pública. Já em 1996 a Comissão Europeia, no seu Livro Verde intitulado "Futura Política do Ruído", considerava alarmante o problema do ruído ambiental, incluindo-o como uma sua prioridade na Estratégia Comunitária para o Ambiente.

Em 2002, entrou em vigor a directiva comunitária que obriga os Estados-membros a elaborar mapas de ruídos e a fornecer dados sobre os níveis de ruído nas cidades com mais de 100 mil habitantes antes de Junho de 2007. Contudo, pese embora as medidas tomadas ao nível nacional e municipal, a verdade é que cada vez mais milhões de pessoas são permanentemente expostas ao ruído nas grandes cidades, correndo o risco de serem afectadas na sua saúde.

Por ser já um problema grave e de grande repercussão social, não podemos estranhar que começem a leventar-se vozes a reclamar uma lei pelo DIREITO AO SILÉNCIO!

 

Armando Farias

Representante dos Trabalhadores Portugueses no Conselho de Administração da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho e Membro do Comité Consultivo da UE