O Governo PSD/CDS, através da Ministra da Saúde, com uma carreira ligada ao sector privado da indústria farmacêutica, defendeu há poucos dias a possibilidade do regresso às PPP – Parcerias Público Privadas e ao modelo de concessão e gestão privada, em “muitas unidades de saúde”.
Segundo notícias vindas a público, verifica-se que esta opção das PPP já estava a ser preparada, uma vez que o Conselho de Ministros de hoje irá aprovar uma resolução que visa adoptar este modelo aos hospitais de Braga, Amadora-Sintra, Vila Franca de Xira, Loures e Garcia de Horta, a poucos dias de enfrentar uma moção de confiança que poderá ditar a queda do governo.
Entretanto, as exonerações e demissões dos Conselhos de Administração das Instituições do Serviço Nacional de Saúde continuam, sem fim à vista. Em menos de um ano de mandato, o Ministério de Saúde acumula exonerações, demissões e não reconduções, sem qualquer justificação, e sem respostas para a população: Serviços de urgência totalmente inoperantes, com urgências obstétricas e urgências gerais fechadas umas atrás das outras; doentes urgentes obrigados a ligar para o 112 à porta dos hospitais; um número elevado de cidadãos sem médico de família; longas listas de espera para consultas e cirurgias; o caos no INEM; o permanente conflito com administrações hospitalares, sendo o caso mais recente o da demissão em bloco da administração do Hospital do Espírito Santo em Évora.
O artigo 64º da Constituição, relativo à saúde, consagra a protecção da saúde como um direito fundamental, que é concretizado através de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) universal, geral e tendencialmente gratuito. O SNS tem sido fonte de progresso social, de que são exemplos a drástica redução da mortalidade infantil, o aumento da esperança média de vida, a redução da mortalidade, uma elevada cobertura vacinal e tratamentos inovadores, sendo ainda de destacar a capacidade de resposta à pandemia Covid-19, enquanto os privados fecharam a porta.
Apesar disto, as últimas décadas têm sido caracterizadas por um grande desinvestimento público em saúde e no Serviço Nacional de Saúde, potenciado pela acção dos grupos económicos privados que visam a sua destruição, a fim de transformar a saúde no negócio da doença.
As opções de direita de sucessivos governos fragilizaram profundamente o Direito Constitucional à Saúde e traduziram-se num subfinanciamento crónico, na desvalorização profissional com a degradação progressiva dos salários, das carreiras, dos horários e das condições de trabalho e na generalização do modelo de gestão baseado na nomeação política em detrimento do reconhecimento da carreira profissional. Este modelo desencorajou o investimento em equipamentos e tecnologia, impôs custos insuportáveis para muitos utentes, conduziu a filas de espera para consultas, tratamentos e cirurgias por longos meses, senão anos, criando o ambiente necessário para justificar a entrada de grupos privados do negócio da saúde.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023, o número de hospitais privados já ultrapassa o número de hospitais públicos (130 privados, 111 públicos e 1 em regime de PPP), situação que desde então se reforçou. Também a Execução Financeira Consolidada (execução do Orçamento do Estado) do Serviço Nacional de Saúde em 2024, demonstra que mais de metade do orçamento da saúde foi afectado à aquisição de bens e serviços ao sector privado (54,16 % do valor total das despesas em Saúde, tendo sido transferidos para o sector privado, 8.424.500 €).
O governo não revela a mínima vontade de melhorar o acesso à saúde, a sua estratégia passa unicamente por aumentar as transferências do Serviço Nacional de Saúde, e do Orçamento do Estado, para os grupos financeiros que vêm a saúde como um negócio. Se a intenção do executivo não fosse transferir valências e recursos para unidades privadas, teria chegado a acordo na negociação colectiva com os profissionais da saúde, para a valorização das suas carreiras, aberto os concursos necessários adequados e investido na melhoria dos serviços.
O acesso à saúde piorou, a situação do SNS é caótica e degrada-se a cada dia que passa. Nada disto é uma inevitabilidade, mas antes a consequência das opções do Governo PSD/CDS e dos que o antecederam.
É urgente reforçar o SNS para responder às necessidades em saúde, dotando-o dos meios necessários, acompanhar a constante evolução tecnológica e o avanço da ciência e da medicina, e retomar programas de promoção da saúde e prevenção da doença.
Neste quadro, a CGTP-IN exige:
· A existência de um SNS universal, geral e gratuito, com gestão pública, descentralizada e participada, concedendo para tal autonomia administrativa e financeira às entidades e estabelecimentos que o compõem;
· O fim da promiscuidade entre o público e o privado, com o Estado a assumir o papel de financiador, prestador e regulador, que a Constituição lhe atribui, não se demitindo desta obrigação e limitando a transferência para terceiros de atribuições, competências e recursos, designadamente para os grandes grupos privados;
· A valorização das carreiras, remunerações e condições de trabalho, por forma a atrair os profissionais de que necessita, incentivando o regime de trabalho a tempo completo e a dedicação exclusiva ao SNS;
· A melhoria dos cuidados de saúde primários no quadro do SNS;
· A concretização da nova Lei de Bases da Saúde, com a alteração da regulamentação do estatuto do Serviço Nacional de Saúde, de modo a reflectir os conteúdos mais progressistas da nova Lei de Bases da Saúde e priorizar a implementação dos sistemas locais de saúde;
· O alargamento da rede pública de cuidados continuados e paliativos;
· O termo das nomeações políticas para órgãos de gestão e direcção, respeitando a carreira hospitalar dos profissionais de saúde;
· O reforço do investimento em equipamentos, tecnologia e recursos humanos, substituindo gradualmente as unidades de saúde que funcionem em regime de Parcerias Público Privadas pelo modelo de gestão pública.
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 07.03.2025