reativarO projecto de portaria em apreciação visa a criação da medida Reativar, que consistirá, segundo o documento, no "desenvolvimento de uma experiência prática em contexto de trabalho com o objectivo de promover a reintegração no mercado de trabalho ou reconversão profissional de desempregados de longa duração e desempregados de muito longa duração", a realizar através de um estágio. Dirige-se a desempregados com 31 e mais anos que estejam inscritos há pelo menos 12 meses no IEFP como desempregados.

No nosso entender esta medida não faz qualquer sentido. O objectivo de um estágio não é a reintegração no mercado de trabalho ou a reconversão profissional de desempregados de longa duração. Existem outras medidas com essa finalidade como, por exemplo, os apoios à contratação para os desempregados que podem começar imediatamente a trabalhar ou a formação profissional de reconversão, para os que dela necessitam, podendo envolver uma componente de formação em contexto de trabalho.

A CGTP-IN discorda da generalização dos estágios profissionais como forma de obtenção de um emprego, qualquer que ele seja e independentemente de o trabalhador em causa estar a iniciar a sua vida profissional ou já ter tido anteriores experiências profissionais, inclusive na mesma área profissional.

Os estágios devem ter como função essencial facilitar a transição entre a escola ou formação e o mercado de trabalho, permitindo a jovens ou a desempregados à procura do primeiro emprego entrar em contacto, em modo experimental, com a realidade laboral nas empresas, aditando à sua formação teórica uma formação prática em contexto de trabalho. O estágio pode ainda servir, em certas profissões especializadas, para a aquisição de conhecimentos práticos indispensáveis ao exercício de tais profissões.

Não é manifestamente o caso neste projecto. Na verdade, trata-se de uma falsa medida de estágios, pois o que se pretende é aumentar a possibilidade das empresas usarem o trabalho dos desempregados por seis meses a troco de bolsas de baixo valor, em vez de os integrarem num verdadeiro posto de trabalho com um salário justo e condições de trabalho adequadas.

A medida, a ser aprovada, actuará como mais uma "almofada social" e como forma de retirar desempregados das estatísticas. Servirá também os interesses dos patrões, subsidiando salários com dinheiros públicos mas pagando bolsas de miséria aos estagiários. Mais uma vez se constata que, ao mesmo tempo que o Governo afirma não haver financiamento público para criar emprego, canaliza dinheiros públicos para subsidiar as empresas.

O projecto considera a aquisição de uma qualificação de nível 2 do Quadro Nacional de Qualificações ou mesmo inferior[1] como suficiente para remeter os desempregados para a categoria de estagiário, quando na realidade estamos perante trabalhadores indiferenciados. A proposta representa mesmo um retrocesso em relação à medida Estágios Emprego no que diz respeito aos maiores de 30 anos, nomeadamente porque nem sequer exige que os candidatos tenham obtido há menos de três anos uma qualificação enquadrável no Quadro Nacional de Qualificações. Não faz sentido prever a possibilidade de realização generalizada de estágios profissionais para qualquer nível de qualificação, tanto mais num contexto em que a escolaridade obrigatória aumentou para os 12 anos.

O projecto refere que não pode haver ocupação de postos de trabalho, mas não inclui qualquer disposição expressa destinada a impedir ou sancionar esse tipo de abusos por parte das entidades patronais. A redacção sobre o acompanhamento, verificação e auditoria prevista no Artigo 17º é demasiado vaga e, apesar de incluída noutras medidas, na prática não se tem verificado. Permite-se também que o desempregado possa ter trabalhado para um empregador e depois ser admitido como estagiário nessa mesma empresa ou organização e ainda a rotação de desempregados de medida activa em medida activa.

Por último, é para nós inaceitável que o rendimento social de inserção recebido pelos estagiários que a ele tenham direito seja financiado por fundos europeus, uma vez que se trata de despesa pública corrente e como tal deve ser assumida pelo Estado Português.

Na especialidade

Artigo 2º - Destinatários

Não se faz qualquer exigência sobre o nível de qualificação detido pelo desempregado para acesso à medida, depreendendo-se, no entanto, do art.º 12º, nº 2, que qualquer nível é admissível, o que consideramos incorrecto. Deveria no mínimo exigir-se o nível 3 para favorecer a conclusão do 12º Ano e assim dar um incentivo à elevação das qualificações dos trabalhadores.

O nº 5 deste artigo, ao permitir que a frequência de estágio profissional (não financiado pelo IEFP), de formação profissional ou de outra medida activa de emprego conte para efeitos do tempo de inscrição como desempregado, permite a rotação de desempregados de medida em medida, promovendo situações de permanente precariedade, pelo que propomos a sua eliminação.

O nº 6 impede que a entidade promotora possa admitir como estagiário um desempregado com quem tenha estabelecido, nos 12 meses que precedem a data de apresentação da respectiva candidatura e até à data da selecção pelo IEFP, uma relação de estágio de qualquer natureza, mas não prevê o mesmo relativamente às relações contratuais, pelo que propomos esse aditamento. Propomos ainda a eliminação da expressão "nos 12 meses que precedem a data de apresentação da respectiva candidatura e até à data da selecção pelo IEFP".

Em nosso entender, existência de uma relação contratual (laboral, de estágio ou de prestação de serviços) anterior entre a entidade promotora e o proposto estagiário deve constituir um impedimento à admissão, independentemente do tempo decorrido, devendo este impedimento ser extensivo às entidades que se encontram em relação de domínio ou grupo com a entidade promotora.

Relativamente ao nº 8, a redacção sobre o incumprimento imputável ao destinatário é pouco clara, não permitindo perceber de que tipo de incumprimento se trata.

Artigo 3º - Entidade promotora

Não estamos de acordo que empresas em processos de recuperação e revitalização (números 2 e 3) se possam candidatar à medida, uma vez que, em regra estamos perante empresas que despedem trabalhadores, mesmo que encapotadamente através rescisões por mútuo acordo, sendo injusto e imoral que beneficiem de apoios públicos para estágios, pelo que estes números devem ser eliminados.

Artigo 4º - Requisitos gerais da entidade promotora

Os requisitos gerais previstos são insuficientes. Devem ser impedidas de se candidatar as entidades com salários em atraso em qualquer situação sem excepção [o que implica a eliminação da segunda parte da alínea e) do nº1], ou às quais tenham sido aplicadas sanções por contra-ordenação grave ou muito grave por violação da legislação do trabalho ou, ainda, que não respeitem a normas da contratação colectiva aplicável, não sendo suficiente considerar apenas a discriminação no trabalho e no emprego.

Do mesmo modo, defendemos que as entidades promotoras não possam candidatar-se se tiverem realizado despedimentos colectivos nos dois anos anteriores à candidatura ou se tiverem sido condenadas, com decisão transitada em julgado, por crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública.

Artigo 5º - Candidatura

Tal como está o projecto permite a recorrência das empresas a este tipo de expediente para não contratar trabalhadores, uma vez que não há garantias de não ocupação de postos de trabalho por estagiários. A CGTP-IN propõe a inclusão de uma regra de manutenção do nível de emprego existente à data da admissão do estagiário e durante todo o período do estágio, sendo o nível de emprego aferido com base na média mensal do número de trabalhadores no ano anterior à admissão e durante o período de estágio.

Um dos critérios de apreciação propostos no projecto é a existência de uma relação "razoável e ajustada" entre o número de estagiários e a dimensão da entidade promotora, critério demasiado vago e totalmente discricionário e, como tal, inadequado a garantir que não sejam cometidos abusos. No nosso entender tem que se definir expressamente o número máximo de estagiários relativamente ao número de trabalhadores da entidade promotora.

O outro critério proposto é a contratação de um em cada quatro estagiários nos três anos anteriores no caso das entidades que tenham realizado pelo menos quatro estágios financiados pelo IEFP. Este critério deixa de fora as entidades que tenham tido menos de quatro estágios financiados pelo IEFP e também as que nunca se candidataram e não resolve o problema da rotação de desempregados no mesmo posto de trabalho.

Propomos em alternativa que as entidades sejam obrigadas a integrar nos seus quadros um terço dos estagiários que acolherem nos programas de estágio, desde que tenham avaliação positiva. Na ausência de contratação nestes termos por motivos que lhes sejam imputáveis, as entidades promotoras devem ficar impedidas de se candidatar a programas de estágios durante um ano.

Artigo 7º - Orientador de estágio

No nosso entender o número de estagiários por orientador é excessivo, devendo ser de três e não de cinco.

Por outro lado, estranhamos que entre as competências do orientador não se inclua a elaboração de um relatório de estágio por cada estagiário acompanhado e seu envio para o IEFP, pelo que propomos a inclusão desta disposição.

Artigo 8º - Duração do estágio

A duração do estágio é de 6 meses não havendo qualquer adequação do tempo de estágio ao conteúdo do mesmo. Acresce que a redução da duração face à medida Estágios Emprego permite uma maior rotação de estagiários no mesmo posto de trabalho dada a ausência de fiscalização por parte do IEFP e da ACT na utilização desta e de outras medidas.

Artigo 9º - Certificação

Propomos que o IEFP também participe na avaliação final do estagiário e não seja apenas a entidade promotora a fazê-lo.

Embora esteja prevista na legislação que se possa aceder ao nível 4 de qualificação do Quadro Nacional de Qualificações através da realização de um estágio de 6 meses, as disposições constantes neste projecto não garantem que estes estágios tenham a qualidade suficiente para a obtenção do nível referido, pelo que deve haver especial cuidado na avaliação dos ex-estagiários.

Artigo 10º - Reconhecimento, validação e certificação de competências

Não entendemos o porquê da especial atenção à certificação de competências dos estagiários com os níveis 2 e 3 de qualificação. Se o estágio fosse de boa qualidade, todos os estagiários teriam certamente competências adquiridas no seu término. Parece-nos, alias, que é esse um dos objectivos primordiais de qualquer estágio.

Artigo 11º - Direitos do estagiário

Consideramos injusto que o pagamento das bolsas seja suspenso quando o estágio se suspende por facto imputável à entidade promotora – o estagiário não deve ser penalizado por uma circunstância que lhe é completamente alheia, para a qual contribuiu e que não domina.

Artigo 1º - Bolsa de estágio

Tendo em conta que as bolsas de estágios variam entre 1 IAS (419 euros) para o nível 2 de qualificação ou inferior e 1,65 IAS (691 euros) para estagiários com o nível 6, 7 ou 8 (licenciados, mestres ou doutorados), propomos o seu aumento para valores mais dignos, tendo como referência o salário mínimo nacional e não o IAS.

Artigo 15º - Comparticipação financeira

As comparticipações financeiras para as entidades promotoras são demasiado elevadas, de tal modo que lhes permite, ao abrigo de regimes de estágio e com apoios públicos, dispor de mão-de-obra quase gratuita, já que o financiamento varia entre os 65% e os 95% do valor da bolsa de estágio.

Artigo 16º – Acompanhamento, verificação ou auditoria

Prevê-se que o IEFP ou outras entidades com competência para o efeito possam realizar acções de acompanhamento, verificação ou auditoria durante a execução dos estágios, mas não se definem quais as entidades com essa competência, que, no nosso entender, devem ser públicas.

Esta medida deve objecto de uma fiscalização, quer na fase de aprovação da candidatura e plano de estágio, quer durante a sua realização, a fim de garantir que os fins prosseguidos com o estágio são respeitados e que o estagiário não é ocupado em funções permanentes na empresa ou entidade promotora, nomeadamente verificando o não preenchimento de postos de trabalho. No entanto, não vemos estas preocupações incluídas neste projecto.

Especificamente quanto aos centros de emprego, a CGTP-IN considera que devem ter uma intervenção activa na execução deste programa, designadamente prestando apoio técnico-pedagógico aos orientadores e acompanhando os estagiários, antes, durante e após o estágio, devendo ser realizadas reuniões periódicas para o efeito. Neste projecto é demasiado vago e insuficiente o papel do IEFP na execução e acompanhamento da medida, o que apenas se pode compreender à luz de uma progressiva desresponsabilização do IEFP no acompanhamento e controlo das medidas activas emprego.

Artigo 18º – Incumprimento

O artigo prevê que as entidades que incumprirem as obrigações relativas aos apoios financeiros ficam impedidas, durante dois anos de beneficiar de qualquer apoio do Estado com a mesma natureza e finalidade, depreendendo-se que se incluem aqui todos os apoios relativos ao emprego e não apenas os recebidos no âmbito desta medida. No entanto, para que não restem quaisquer dúvidas, a redacção deste artigo deveria ser mais explícita.

Artigo 20º – Financiamento comunitário

A CGTP-IN discorda da possibilidade do financiamento, por fundos europeus, do rendimento social de inserção recebido pelos estagiários que a ele tenham direito. Trata-se de despesa pública corrente e como tal deve ser assumida pelo Estado Português, tal como decorre do Regulamento Geral dos FEEI [(Regulamento (UE) nº 1303/2013].

13 de Fevereiro de 2015

[1] Como se depreende do art.º 12º, nº 2, já que nem sequer há regras definidas no art.º 3º referente aos destinatários.