A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) enviou o seu parecer sobre o projeto de Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para o Ministério da Saúde. Para a FNAM, este projeto propõe medidas que facilitam a privatização do SNS, ignora as carreiras médicas, propõe um regime de «dedicação plena» que promove o pluriemprego e relega para segundo plano a Saúde Pública.

Para a FNAM, trata-se de um projeto repleto de alçapões legais que pretendem esconder objetivos que são lesivos do direito constitucional à saúde e à capacidade do SNS em assegurar a prestação adequada dos cuidados de saúde aos cidadãos.

Estes alçapões promovem uma intolerável promiscuidade entre sectores prestadores que, como a experiência acumulada mostra, tem mutilado preocupantemente o SNS.

É com grande preocupação que a FNAM constata que o projeto de Estatuto do SNS não faz qualquer referência às carreiras profissionais e ao seu papel na garantia da qualidade dos cuidados prestados nem à importância que têm na fixação de profissionais no SNS, nomeadamente de médicos.

Por outro lado, o projeto prevê a implementação de um regime de trabalho em «dedicação plena» para os médicos. O nome escolhido para este regime é caricato, uma vez que permite todo o tipo de acumulações e assume abertamente a possibilidade de pluriemprego. Esta formulação é claramente dissonante do espírito da Lei de Bases da Saúde e pretende, de forma encapotada, atribuir uma ainda maior carga horária aos médicos.

Para a FNAM, seria mais adequado voltar a regulamentar o regime de dedicação exclusiva, ou algo que de forma semelhante viesse a revalorizar os médicos que optem por centrar os seus projetos e dinâmica em exclusivo no SNS.

Relativamente ao peso das horas extra no trabalho dos profissionais de saúde, o projeto de Estatuto do SNS normaliza o trabalho suplementar de forma a «reduzir o recurso a prestadores de serviços» relegando para segundo plano as condições que permitiriam a contratação de recursos humanos, em número adequado, para permitir o normal funcionamento das unidades de saúde.

O projeto de Estatuto do SNS propõe medidas claramente facilitadoras da privatização do SNS, como a criação de uma «Direção Executiva do SNS», lembrando o «CEO do NHS», no serviço nacional de saúde britânico, que tem sido um instrumento de entrega de importantes - e lucrativos - segmentos da prestação de cuidados de saúde a entidades privadas. O projeto também prevê a cedência direta de exploração de serviços hospitalares, uma possibilidade que a FNAM vê com grande apreensão.

A Saúde Pública é incompreensivelmente relegada para segundo plano, sem existirem referências sobre a necessária mudança de paradigma organizacional nem se prever a sua indispensável autonomia, ignorando até a dramática experiência de combate à pandemia de COVID-19.

Há que realçar algumas intenções positivas, entre elas a fixação de médicos em zonas carenciadas - apesar de ser necessário atribuir os incentivos aos médicos que já trabalhem nestas zonas - ou a elaboração de uma «Carta para a participação Pública em saúde».

Por fim, é incompreensível que o projeto de Estatuto do SNS surja apenas agora, dois anos após a publicação da Lei de Bases da Saúde. Pior ainda, quando em muitos pontos vem boicotar bons princípios nela acordados.

Fonte: FNAM