arsenal alefitePara que possa prosseguir a sua missão primordial – assegurar a manutenção atempada e nas devidas condições a toda a frota da Marinha, e para que possa expandir a sua carteira de clientes, o Arsenal do Alfeite precisa urgentemente de investir em áreas prioritárias, afirma o STEFFAs – Sindicato dos Trabalhadores Civis das Forças Armadas, Estabelecimentos Fabris e Empresas de Defesa numa Declaração Pública sobre a situação do Arsenal, divulgada durante a greve do passado dia 27.

 

Declaração Pública sobre a situação no Arsenal do Alfeite

27 de Outubro de 2017

O Arsenal do Alfeite foi alvo de uma alteração de estatutos em 2009 que transformou este Estaleiro numa Sociedade Anónima – alteração levada a cabo por um Governo, recorde-se, do PS, tal como o actualmente em funções. Na altura, os argumentos para esta «empresarialização» assentaram em premissas e compromissos que, até hoje, não foram cumpridos.

Em particular, afirmou o Governo da altura, seria posto em prática um projecto de modernização do Arsenal do Alfeite que representaria um investimento do Estado português de 70 milhões de euros – com um investimento inicial de 32,4 milhões e o resto do montante a ser assegurado com o recurso a financiamento bancário – em infra-estruturas e equipamentos. Até há muito pouco tempo, nem um cêntimo desta verba tinha entrado no Arsenal.

Na realidade, sobreveio a liquidação dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) e essas verbas foram alocadas à resolução da chamada «situação de Viana», através do accionista, a holding das indústrias de defesa nacionais denominada EMPORDEF.

Desde 2009, enfrentando grandes dificuldades e com um quadro de pessoal reduzido para menos de metade (de 1.200 trabalhadores para os actuais 500), o Arsenal do Alfeite conseguiu não só sobreviver como continuar a assegurar a manutenção da frota da Armada, despertar o interesse de clientes internacionais, relançar-se na construção naval com o início, em Março deste ano, da construção de duas lanchas salva-vidas para a Autoridade Marítima Nacional e dar início à formação de pessoal e aos projectos necessários à manutenção dos novos submarinos da Marinha, reivindicação dos trabalhadores desde a aquisição pelo Estado português desses navios.

Recentemente, uma outra reivindicação dos trabalhadores foi alcançada, com a passagem ao efectivo de mais de duas dezenas de trabalhadores que tinham contratos a prazo. O Arsenal do Alfeite não tem, neste momento, nenhum trabalhador em situação de precariedade no seu quadro, subsistindo no entanto algumas situações de precariedade pelo recurso a empresas de outsourcing, que poderiam até ter já sido resolvidas, não fossem os constrangimentos impostos às admissões de pessoal para o sector público.

Recorde-se que, durante todo este tempo, os trabalhadores do Arsenal do Alfeite não viram os seus salários aumentar um cêntimo, por força das restrições impostas via Orçamento do Estado. Ao mesmo tempo, estes trabalhadores, revelando um enorme sentido de responsabilidade e solidariedade, esperaram serenamente pela resolução da chamada «situação de Viana». A situação dos ENVC seria finalmente resolvida – mal resolvida, pois foi à custa de destruição de postos de trabalho e da entrega do que restou desses estaleiros ao capital privado.

Entretanto, com o passar dos anos, a verba destinada à modernização e reequipamento do Arsenal do Alfeite «passou» misteriosamente de 70 milhões de euros para 17 milhões. Nunca, até hoje, alguém no Governo explicou esta diferença.

Finalmente, no ano passado, entraram no Arsenal do Alfeite cerca de dois milhões de euros desta verba. Já no início deste ano entraram mais cerca de 10 milhões de euros. O Arsenal do Alfeite é ainda credor do seu accionista (a EMPORDEF) em cerca de cinco milhões de euros. O Arsenal do Alfeite possui ainda outros cerca de 10 milhões de euros provenientes dos saldos transitados dos exercícios anteriores. Ou seja, no total, o Arsenal do Alfeite tem neste momento cerca de 20 milhões de euros nas suas contas (dos quais nem um cêntimo vem do Orçamento do Estado), tem zero de dívidas, e no entanto está a ser estrangulado por dificuldades de toda a ordem apenas porque não obteve ainda as necessárias autorizações do Governo para a utilização dessas mesmas verbas, nem sequer depois de ter reformulado o pedido no sentido da utilização de um montante muito menor em 2017 (apenas cerca de três milhões de euros).

Para que possa prosseguir a sua missão primordial – assegurar a manutenção atempada e nas devidas condições a toda a frota da Marinha, sejam navios de superfície ou submarinos – e para que possa expandir a sua carteira de clientes a outras Armadas (que já demonstraram o seu interesse), o Arsenal do Alfeite precisa urgentemente de investir em áreas prioritárias como a admissão e formação de pessoal, a aquisição de equipamentos e ferramentas, uma oficina especializada para atender às necessidades específicas dos novos submarinos, uma obra de extensão da Doca Seca dos actuais 140 metros para 220 metros, por forma a poder acolher em simultâneo um submarino e um navio de superfície (ou dois navios de superfície), a dragagem do canal de acesso à Doca, para facilitar as manobras dos navios e ainda de algum investimento ambiental por forma a corresponder às exigências da certificação que é obrigado a possuir nesse campo.

Todos estes investimentos estão praticamente paralisados desde o início deste ano devido à falta de autorização governamental, uma situação que se arrasta desde o início do ano. Porquê? O Governo mantém o silêncio.

Destes investimentos, o mais vultuoso, mais demorado na concretização e ao mesmo tempo aquele que é mais essencial, é a obra de extensão da Doca Seca que deveria já ter começado no Verão. Só o aumento do comprimento desta infra-estrutura pode permitir ao Arsenal do Alfeite realizar operações de manutenção em simultâneo a dois navios, situação que se coloca já para o ano, com a revisão intermédia do submarino NRP Arpão prevista para Setembro. A não ser que a Doca Seca seja aumentada, a sua ocupação pelo NRP Arpão durante o período estimado para a sua revisão intermédia (15 meses) impede que durante esse mesmo período se possa realizar a manutenção a um navio de superfície.

Para os projectos desta obra, o Arsenal do Alfeite teve já que avançar com dinheiro do seu orçamento corrente, por não ter autorização do Governo para utilização das verbas que possui em conta. Refira-se também que o custo total previsto desta obra (entre 10 a 12 milhões de euros) obriga a lançamento de concurso internacional e visto do Tribunal de Contas, processo que pode demorar cerca de cinco meses. A duração prevista da obra é entre 9 a 12 meses. É fácil verificar por estes prazos que, ou a situação se desbloqueia imediatamente ou a consequência será que, em Setembro de 2018, ou entra o NRP Arpão para manutenção e não entra mais nenhum navio durante 15 meses (havendo navios de superfície escalonados para manutenção nesse período), ou então o NRP Arpão navegará a caminho da Alemanha, onde agora está o seu «irmão» Tridente, com custos exorbitantes para o erário público, quando o trabalho podia ser feito aqui mesmo, em Almada.

Mas se as consequências para o futuro são muito preocupantes, existem já, no presente, consequências deste escandaloso impasse. O navio hidrográfico NRP Almirante Gago Coutinho tinha entrada prevista para manutenção no Arsenal do Alfeite no passado dia 20. Não entrou e desconhece-se se chegará, ou não, a entrar. Fonte da Marinha confirmou-nos ontem que de facto foi tomada a decisão de não enviar o navio, para já, para o Arsenal do Alfeite. A mesma fonte confidenciou-nos que a Marinha deposita ainda toda a confiança no Arsenal do Alfeite e está esperançosa na continuidade da relação com o Estaleiro, mas está ao mesmo tempo preocupada por temer que a entrada do NRP Almirante Gago Coutinho neste período possa comprometer a capacidade de manutenção de outros navios mais prioritários no curto prazo.

A mesma fonte mostrou também preocupação com o andamento do trabalho em curso de construção das duas lanchas salva-vidas, também considerado prioritário pela Armada, e já considerado em atraso em relação à calendarização.

Acontece que uma das autorizações que o Arsenal do Alfeite solicitou ao Governo, e que ainda não foi concedida, foi precisamente a autorização para adquirir os motores para essas embarcações. Naturalmente, tal facto estará a potenciar os referidos atrasos no calendário de construção.

É preciso recordar que o próprio Secretário de Estado da Defesa do actual Governo, por ocasião do lançamento da construção das duas lanchas salva-vidas, referiu o aumento do capital social do Alfeite realizado este ano, com a entrada dos 10 milhões da EMPORDEF, e associou directamente essa verba à obra de extensão da Doca Seca, que considerou essencial.

É preciso recordar que o Presidente da República, que em Portugal é também o Comandante-Supremo das Forças Armadas, em visita recente ao Arsenal do Alfeite afirmou estar este Estaleiro num ponto de viragem histórica e depositou nos seus trabalhadores um voto confiança e de esperança no futuro.

Como se chega, então, a esta situação que se arrasta há já quase um ano, apenas por vontade do Governo?

O Governo deve explicações, aos trabalhadores e ao país!

O Arsenal do Alfeite é o único estaleiro naval em Portugal com capacidade integral para manutenção de navios militares. Em áreas como o projecto e o armamento, mais nenhum estaleiro nacional pode assegurar trabalhos militares. Se esses trabalhos não forem feito aqui, há uma grande probabilidade de serem entregues a estaleiros no estrangeiro – como ainda acontece com a manutenção dos novos submarinos.

Novamente numa encruzilhada decisiva da sua longa história, os trabalhadores do Arsenal do Alfeite tomam em mãos, como sempre souberam fazer, a defesa dos seus postos de trabalho e do interesse nacional.

Ainda há tempo para resolver este problema e dar ao Arsenal do Alfeite o futuro que merece, como Estaleiro integral e público, ao serviço da Marinha e do país! Os trabalhadores não descansarão enquanto esse futuro não for assegurado!

STEFFAs – Sindicato dos Trabalhadores Civis das Forças Armadas, Estabelecimentos Fabris e Empresas de Defesa

Almada, 27 de Outubro de 2017